PIB: leitor da velha imprensa. Ouvinte e telespectador também. |
O texto abaixo é uma versão revisada, atualizada e
abrasileirada do Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, dos anos 1990.
PIB. Chamemos de PIB. O Perfeito Idiota Brasileiro.
Vamos descrever o dia do PIB. Vinte e quatro horas
na vida de um PIB para que os pósteros, a posteridade, tenham uma idéia do
Brasil de 2012.
Ele acorda às sete horas da manhã. Tem que preparar
o próprio café da manhã. Já faz alguns anos que sua mulher parou de fazer isso
para ele, e ficou caro demais para ele pagar uma empregada doméstica.
Ele lamenta isso. Era bom quando havia uma
multidão de nordestinas sem instrução nenhuma que saíam de suas cidades por
falta de perspectiva e iam dar no Sul, onde acabavam virando domésticas.
PIB dá um suspiro de saudade. Chegou a ter uma
faxineira e uma cozinheira nos velhos e bons tempos. Num certo momento, PIB
percebeu que as coisas começaram a ficar mais difíceis. Havia menos mulheres
dispostas a trabalhar como domésticas, e os salários foram ficando absurdos.
Para piorar ainda mais as coisas, ao contrário do
que sempre acontecera, a última empregada de PIB recusou votar no candidato que
ele indicou.
Mulherzinha metida.
Foi por coisas assim que PIB aderiu ao movimento
Cansei, ao lado de ativistas notáveis como Boris Casoy, Hebe Camargo,
Ana Maria Braga, Xuxa, Xuxa (o nadador) Ivete Sangalo, Regina Duarte, o presidente da OAB paulista, Luiz Flávio D'Urso, Agnaldo Rayol e João Dória Júnior. Empolgante o Cansei. PIB quase fora à
manifestação. Só desistiu porque era sábado e sábado a feijoada era sagrada. O
protesto com certeza fora um sucesso.
O povo unido jamais será vencido.
PIB tomou o café na cozinha, com o Globo nas mãos.
Assinava o jornal fazia muitos anos. Se todos os brasileiros fossem como o
Doutor Roberto Marinho, PIB pensou, hoje seríamos os Estados Unidos. Bonito o choro
do Bonner ao anunciar no Jornal Nacional a morte de Roberto Marinho.
Por que ainda não ergueram estátuas para ele?
Com o Globo, PIB iniciou sua sessão de leituras
matinais. Mais ou menos quarenta minutos, antes de ir para o escritório. Leu
Merval. Quer dizer, leu o primeiro parágrafo e mais o título porque naquele dia
o texto, embora magnífico, estava longo demais.
Havia um artigo de Ali Kamel. “Um cabeça”, pensou
PIB. “Deve ter o QI do Einstein.” Mas também aquele artigo –embora brilhante,
um tratado perfeito sobre o assistencialismo ou talvez sobre o absurdo das
cotas, PIB já não sabia precisar — parecia um pouco mais comprido do que o
habitual. Deixou para terminar a leitura à noite.
PIB vibrou porque, se não bastassem Merval e Kamel,
havia ainda Jabor.
Um gênio. Largou o cinema para iluminar o Brasil
com sua prosa espetacular. Um verdadeiro santo. Podia estar com a sala da casa
cheia de Oscar.
Começou a ler Jabor e refletiu. “Impressão minha ou
hoje aumentaram o tamanho do Jabor?” PIB sacudiu a cabeça, na solidão da
cozinha, num gesto de reverência extrema por Jabor, mas também achou melhor
deixar para ler mais tarde. Era seu dia de sorte. Também o historiador Marco
Antônio Villa estava no Globo.
“Os primeiros 18 meses do governo Dilma foram
fracassos sobre fracassos” era a primeira linha. Bastava. Villa sempre
surpreendia com pensamentos que fugiam do lugar comum.
Como uma terrorista chegou ao poder? Bem, tenho que
comprar algum livro de história do Villa. Ele com certeza escreveu vários.
Completou a sessão de leituras da manhã na
internet. Leu Reinaldo Azevedo. Quer dizer, naquela manhã, leu um
parágrafo. Na verdade, metade. Menos. O título. Não importava. Azevedo era
capaz de mesmerizar toda uma nação com a luz cintilante de meia dúzia entre
milhares de linhas que produzia incessantemente. PIB deixava escapar um sorriso
de admiração a cada vez que lia a palavra “petralha” em Azevedo.
Rei é rei. Um cabeça pensante. Por que será que não
ocorreu a nenhum presidente da República contratar esse homem como assessor
especial? Se o Brasil bobear, a Casa Branca vem e contrata.
Debate é assim. Medalhinha. Chamar um tal de Nassif
de Nassífilis. PIB julgava FHC um banana. Não sabia debater. Bananão. Como FHC
podia dizer coisas assim? “Eu não estou aqui para ver o PT se arrebentar. O
Brasil precisa de partidos que tenham uma certa história, e o PT tem".
Isso em 2005, quando era o momento de derrubar o
lulopetismo. E essa outra? “Por que o mensalão se tornou conhecido? Porque o
Roberto Jefferson teatralizou o mensalão.” E essa então? “O Lula, ao invés de
renunciar e desistir, disse: eu vou brigar. O Lula foi decisivo naquele
momento, em dissipar o mensalão.”
Ba-na-não! Graças a Deus já passou dos 80 e não
pode mais atrapalhar o Brasil. O campo ficou livre para o Serra e o Aécio!
Ainda na internet, uma passagem pelo Blog do
Noblat. Naquele dia, no blog havia uma coluna assinada por Demóstenes. PIB deu
parabéns mentais a Noblat por abrir espaço a Demóstenes, nosso campeão mundial
da moralidade e da ética, nosso Catão.
PIB guardara um texto de Demétrio Magnolli, outro
cérebro avançado, em que este prestava um justo tributo à nossa reserva moral
no Senado. Saíra na edição das 100 pessoas mais influentes da revista Época.
Anotou um trecho: “Não é preciso concordar com tudo que ele fala ou faz para
homenageá-lo. Demósteneses não é mais um comerciante num mercado em que se
trafica influência em troca de cargos ou privilégios. Ele tem princípios e
convicções.”
Por que falam tanto do tal do Assange e do Wikileaks
quando temos tantos caras muito melhores?
A caminho do trabalho, PIB ligou na CBN. Ouviu uma
entrevista com o filósofo Luiz Felipe Pondé. “Meu pequeno carro não contribui
para o aquecimento do planeta”, disse Pondé, o nosso Sócrates, o Aristóteles verde-amarelo.
Pondé ganhara imediatamente a admiração de PIB quando reclamara dos pobres que
estavam congestionando os aeroportos. A última vez que viajara para Miami
ficara revoltado com as pessoas inferiores que iam voar.
Bem, preciso anotar aquela. Meu pequeno carro não
contribui para o aquecimento global.
Isso o levou a reparar nos ciclistas nas ruas de
São Paulo. Cada dia parecia haver mais. Mau sinal. Havia muitas bicicletas no
trajeto. PIB sentiu vontade de atropelá-las em grupo e fazer um strike.
Odiava ciclistas. Atrapalhavam os motoristas.
Tivera vontade de vomitar quando vira a foto de um
ciclista inglês de bunda de fora — branca e mole como um pudim — numa
marcha nudista por mais espaço e segurança em Londres para as bicicletas. Abria
uma única exceção: Soninha. Desde que ela continuasse a posar pelada em nome
das bicicletas.
Hahaha! Hohoho!
Na CBN ouviu também informações e comentários sobre
o mundo. “Prestígio em Paris dá vantagem a Sarkozy nas eleições presidenciais”,
a CBN avisou. PIB admirava Sarkozy. Proibir a burca foi um gesto histórico. As
muçulmanas deveriam ser gratas a Sarkozy. Elas haveriam de votar maciçamente
nele para dar a ele o segundo mandato para o qual a CBN dizia que ele era o
favorito.
Os maridos obrigam as coitadas a usar burca.
O tema do islamismo estava ainda em sua mente
quando se instalou em seu cubículo de gerente na empresa. PIB refletiu sobre o
mundo. Tinha lido em algum lugar que no Afeganistão as pessoas queriam que os
soldados americanos fossem embora. Os afegãos estavam queimando bandeiras
dos Estados Unidos. A mesma coisa estava ocorrendo no Iraque. E no Iêmen. Em
todo o Oriente Médio, fora Israel.
Ingratos. Como eles não percebem que os Estados
Unidos estão lá para promover a democracia e levar a civilização? Os americanos
estão acima de interesses mesquinhos por coisas como o petróleo.
Era um perigo o avanço muçulmano. Não que apoiasse,
mas PIB entendia o norueguês que matara 77 pessoas por considerar que o governo
de seu país era leniente demais com os muçulmanos.
A raça branca está em perigo.
Entretido em salvar a raça branca, PIB não percebeu
o tempo passar. Só notou pela fome que já era hora de comer. A opção, mais uma
vez, foi pelo Big Mac do shopping, e mais a Coca dupla. Detestava os ativistas
dos direitos dos animais porque combatiam os Big Macs. PIB estava tecnicamente
obeso, mas na semana que vem iniciaria uma dieta e começaria também a se
exercitar.
Fim do expediente. A estagiária estava com um
decote particularmente ousado. Talvez estivesse sem sutiã. PIB a chamou algumas
vezes para discutir assuntos que na verdade não tinham por que ser discutidos.
A questão era olhá-la. Valeu o dia, refletiu. Home office é uma bobagem
porque não permite esse tipo de coisa: olhar para meninas gostosas no
escritório.
Na volta, mais uma vez foi tomado pela tentação de
atropelar os ciclistas. “Quando você deseja muito uma coisa, todo o universo
conspira a seu favor”. PIB se lembrou da frase de seu escritor favorito, Paulo
Coelho. Então ele desejou muito que as bicicletas sumissem.
Xiitas.
Algum colunista escrevera isso sobre os ciclistas.
PIB não lembrava quem era, mas concordava inteiramente. Os ciclistas são gente
esquisita que deve fazer ioga e praticar meditação, suspeitava PIB.
Tudo gay!
Já incorporara para si mesmo a frase genial de
Pondé.
Meu carro pequeno não contribui para o aquecimento
global.
No churrasco de domingo, ia soltar essa. Teve um
breve lapso de inquietação quando se deu conta de que os brasileiros que tanto
contribuíam para a elevação do pensamento nacional já não eram tão novos assim.
O próprio Merval era imortal apenas pela sua contribuição às letras,
reconhecida pela Academia. Então lhe veio à cabeça a juventude sábia e
influente de Luciano Huck, e ficou mais sossegado.
A mulher não percebeu quando ele chegou. Não era
culpa dela. A televisão estava ligada com som alto na novela da Globo. PIB lera
várias vezes que as novelas tinham uma “missão civilizadora” no Brasil. Mais uma
dívida dos brasileiros perante Roberto Marinho: a perpetuação das novelas
cvilizadoras. A mídia
impressa brasileira reconhecia a missão civilizadora na forma de uma cobertura
maravilhosa das novelas. Uma vez um leitor da Folha reclamou por encontrar na
Ilustrada seis artigos sobre novelas.
O brasileiro só sabe reclamar. E reivindicar. Uma
besta!
PIB deu um alô que não foi ouvido. Ou pensou ter
dado. Sentou ao lado da mulher, e o silêncio confirmou para ele sua tese:
depois de muitos anos de casamento as pessoas se entendem tão bem que não
precisam trocar uma só palavra. Nem se tocar. É quando o casamento chega ao
estágio da perfeição: ninguém tem que fazer nada. É o estágio superior em que o
matrimônio se santifica pela ausência do sexo. A cada quinze dias, PIB tomava
Viagra e descarregava as tensões sexuais com uma escorte que cobrava 400 reais.
Tá barato. Um dia ela topa beijar!
Não ligava muito para as novelas civiizadoras. Mas soubera no escritório que Juliana Paes aparecia de vez em quando pelada. Passou por sua cabeça um pensamento rápido.
Talvez eu devesse pedir para a patroa me avisar
quando a Juliana Paes ficar sem roupa.
Terminada a novela, era a sua vez na televisão.
Futebol. Bacana o futebol passar bem tarde, depois da novela. Provavelmente a
Globo pensara nisso para ajudar os pobres que moravam longe e demoravam horas
para chegar em casa depois do trabalho.
“Boa noite, amigos da Globo!”
A voz do Brasil se apresentou. “The voice”, pensou
PIB em inglês.
Um carisma total o Galvão. Subaproveitado. Devia
estar no Ministério da Economia, e não narrando escanteios e tiros de meta.
PIB lera que Galvão estava morando em Mônaco.
Sabichão. Ficava muito mais fácil, assim, cobrir a Fórmula 1. Nunca alguém da
estatura moral de Galvão optaria por Mônaco para não pagar imposto. Galvão
certamente faria bonito na Dança dos Famosos de seu amigo Fausto Silva, o
Faustão, outro civilizador, especulou PIB em sua mente criativa.
PIB não torcia a rigor para time nenhum. Era,
essencialmente, anticorintiano. Com seu segundo saco de pipocas na mão,
viu, contrariado, o Corinthians vencer.
Amanhã os boys vão estar insuportáveis.
PIB queria muito ver o Jô.
Era um final de dia perfeito, ainda mais porque antes havia o aperitivo representado por William Waack. PIB achava um privilégio poder ver Waack não apenas na Globo como na Globonews. Os Marinhos podiam cobrar pela Globonews, mas não faziam isso para proporcionar cultura de graça aos brasileiros.
PIB zapeava quando Waack dava suas lições na televisão,
em busca quem sabe de uma mulher pelada no horário tardio, mas os fragmentos
que pescava eram suficientes.
Jô. Não posso perder Jô. Uma enciclopédia. Podia
ser editorislista do Estadão. Hoje ele vai entrevistar o Mainardi!
Manhattan Connection era simplesmente obrigatório,
embora PIB o dividisse com vários outros enquanto manejava o controle remoto.
Outro dia PIB vira um cara que merecia atenção: Marcelo Madureira. Com
sua memória fotográfica, PIB instantaneamente o reconheceu: trabalhara como
humorista na Praça da Alegria. Ou na Zorra Total?
PIB bem que queria ver Jô. Ou pelo menos incluí-lo
no zapeamento. Duas palavras de Jô valiam por mil das pessoas normais. Faziam
você pensar e, além do mais, rir porque o cara tinha um estoque ilimitado de
piadas.
Não vejo graça nenhuma no Woody Allen. Mas em
compensação o Jô!
Mas não foi possível ver o gordo que ensina e
alegra milhões de brasileiros. PIB acabou dormindo no sofá, do qual sua mulher
achou preferível não o tirar, e onde ele roncou tão alto quanto o som da tevê —
e teve, como sempre, o sono límpido, impoluto, irreprochável dos perfeitos
idiotas.
4 comentários:
Prezado jornalista, muito engraçado. É assim mesmo que esses caras funcionam e "pensam". São medíocres. Muito legal! rsrsrsrsrsrs...
faltou falar não fez curso superior pagou para os filhos e acha que o reuni acabou com ensino publico no Brasil.
Amigo jornalista, muito boa as suas reportagens. Abraço do amigo Edmundo do jornal RioJá.
Muito engraçado. É assim mesmo que esses caras funcionam e "pensam". São medíocres.Ao ponto de discutirem política como se eles fossem o salvador da pátria.
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