Entrevista - Lúcia Guimarães Monteiro - publicada originalmente no jornal "Ministério da Saúde Informa" — Editora MS — Biblioteca Virtual em Saúde/BVS
Por Davis
Sena Filho — Blog Palavra Livre
A carioca Lúcia Guimarães Monteiro se formou em
Psicologia em 1979, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir
de 1985, como psicoterapeuta, Lúcia passa a trabalhar com crianças,
adolescentes e adultos, tendo como premissa fundamental compreender e buscar o
equilíbrio nas relações entre pais e filhos. Lúcia é também pós-graduada em
Educação Sexual, pelo Instituto de Sexologia e Orientação Familiar (ISOF).
Em 1989, a psicoterapeuta vem morar em Brasília,
quando inicia uma nova etapa em sua carreira profissional. Além de abrir um
consultório particular, Lúcia Monteiro começa a prestar consultoria na área de
Recursos Humanos, em instituições como os ministérios da Saúde e da Cultura,
Caixa Econômica Federal (CEF), Banco de Brasília (BRB), Serviço Nacional da
Indústria (Senai) e Departamento de Estradas e Rodagem (DER), entre outras.
Lúcia Monteiro proferiu palestra no Auditório Emílio
Ribas, no Ministério da Saúde, com o tema "Navegando no Mundo
Adolescente". Segundo a palestrante, o ponto fundamental para a
compreensão do adolescente é entender que ele busca autoafirmação e, por
conseguinte, independência, que é retratada em sua luta diária por espaço.
Davis Sena
Filho - Quando se começa a perceber que a criança passa a ser adolescente?
Lúcia
Guimarães Monteiro - É difícil perceber as mudanças quando a gente convive com
os adolescentes. Os sinais se diferenciam de pessoa para pessoa: barba, voz,
corpo se modificando, contestação e até mesmo o silêncio e o distanciamento.
DSF - Como
os pais agem com essas mudanças físicas e de comportamento?
LGM - Ficam
assustados. É um susto que os pais levam num determinado dia, quando percebem
mudanças. A partir daí os pais criam expectativas e preocupações, geralmente
voltadas a questões sexuais, ao virtual uso de drogas e o medo da violência.
Neste momento os pais reeditam sua própria adolescência, o que é um erro.
DSF - Por
quê?
LGM - Eles,
os pais, passam a se enxergar nos filhos, ou seja, em outras pessoas, que,
apesar de filhos, não são eles. São outros seres, que vivem em época diferente,
que têm experiências próprias, que muitas vezes não são as mesmas dos pais.
DSF - Então,
de que servem a experiência e a vivência dos pais?
LGM - Servem
muito. Os pais são fundamentais no crescimento moral e intelectual dos filhos,
mas não podem confundi-los consigo mesmos. Cada um é cada um. Pais são
orientadores de vidas, mas nem sempre isso funciona. Vou dar um exemplo: se o
pai foi sacana com as meninas na adolescência, logicamente que ele vai ficar
preocupado com a sua própria filha. Ele pensa assim: "O que esse cara quer
com a minha filha?" Veja bem, ele acha que o rapaz interessado na filha
dele vai proceder como ele procedeu com a filha dos outros. Esta forma de agir,
mais tarde ou mais cedo, vai acabar em conflito familiar.
DSF - Qual é
a principal causa dos conflitos entre os adolescentes e os seus pais?
LGM - O
adolescente, como um ser em mutação, quer se autoafirmar. É natural. O
adolescente, para se autoafirmar, nega os pais. Ele precisa se mostrar
independente à sociedade. Mostrar ser dono do seu nariz. Só que ele não tem
experiência de vida. Não sabe como anda a carruagem, e muitas vezes se perde.
Alguns buscam as drogas, a bebida e a violência. Ser violento não é sinônimo de
coragem. A violência do adolescente, até mesmo a do adulto, tem como
combustível o medo. Esse medo gera conflitos, que muitas vezes são dimensionados
ou não. O adolescente — sei disso por experiência própria — luta por espaço.
Fecha a porta do quarto para as pessoas da casa, não tolera muitas perguntas,
não tem paciência com os irmãos mais novos e os professores e critica tudo e
todos. Esta forma de proceder é a forma que ele encontrou para conquistar o seu
espaço. Muitos pais, apesar de amar seus filhos, não compreendem isso, porque,
geralmente, estão muito envolvidos com eles e, além disso, estão assustados.
DSF - Uma
vez conversando com amigos pais de adolescentes eles me disseram que quando
viram seus filhos crescer se perguntaram: "Quem é esse estranho?" De
repente, o filho passa a ser estranho?
LGM - É por
aí. Os pais tem filhos. São seus bebês. Pequeninos. Até os 12 anos, vivem ao
nosso lado. Sentam nos nossos colos e nos admiram. Não fazem nada sem antes nos
perguntar se é permitido. Eles não vão às ruas sem autorização, aos bares, não
namoram e quase não mentem. De repente, este filho, que é amado, começa a
modificar o corpo e a contestar algumas regras da casa. De repente, sua filha
está com um corpão e você percebe, nas ruas, que homens passam a olhar para
ela. Seu filho engrossa a voz, começa a nascer barba e as pernas ficam
cabeludas. Ele vai a uma festa, e, pela primeira vez na vida, não dorme em casa
ou chega a altas horas da madrugada. Além de todas essas mudanças, quando em
casa, não comenta nada sobre a escola, se irrita com perguntas e se tranca no
quarto. Logicamente, os pais se indagam: "Quem é esse cara, que mora na
minha casa?”
DSF - O
adolescente é um ser em mutação, que quer espaço e muitas vezes se mostra irascível.
Mas há também o lado do preconceito, da estigmatização e do estereótipo.
Conheço pessoas que me disseram que tiveram uma adolescência tranquila, sem
muitas crises existenciais e conflitos. A senhora não acha também que o
adolescente é visto de uma forma caricata e até mesmo perversa?
LGM -
Concordo. Grande parte da sociedade chama o adolescente de
"aborrecente". Isto é injusto. Também tive uma adolescência tranquila.
O termo aborrecente é prepotente. O adulto, na verdade, mesmo quando o
adolescente é tranquilo, o chama dessa forma para não ter sua autoridade
contestada, já que ele se nega a ouvi-lo ou ensiná-lo. É muito mais fácil
adjetivá-lo do que orientá-lo. A adolescência é um mito, e como mito nunca é,
de fato, totalmente entendida pelos adultos. Outro mito é a velhice. O velho e
o adolescente são incompreendidos e sofrem todo tipo de preconceito. A
adolescência não é doença. A adolescência é a passagem, curtíssima, da criança
para o adulto. Dou um exemplo: quando um jovem adulto esquece, digamos, sua
carteira de identidade, logo dizem: "Esse cara é desligado, mas é
legal". Quando o adolescente esquece, dizem: "Pirou? Você é
retardado?" Quando é o velho: "Está esclerosado". Como você vê,
a cobrança é bem maior, e isso é injusto, além de ser perverso. A verdade é que
as pessoas esquecem, e o esquecimento é comum em todas as idades. Ser
adolescente não é necessariamente ser rebelde.
DSF - O que
a senhora diz em relação ao crescimento e ao amadurecimento do adolescente para
enfrentar a vida adulta.
LGM - Há
adolescentes que querem crescer e adolescentes que não querem. Como há também
adultos que continuam imaturos, apesar da idade. O adolescente que quer crescer
exige muito porque quer construir. Para construir, ele precisa desconstruir.
Essa desconstrução começa com a negação dos pais, num primeiro momento, e, num
segundo, com a negação dos valores aprendidos em casa, na escola ou na igreja.
Isto não quer dizer que, quando adulto, esse adolescente não volte às suas
origens. Aliás, é o que mais acontece, pois, do contrário, a sociedade não teria
valores perenes, e ela os tem. Já o adolescente que não quer crescer é o que,
geralmente, não quer ou tem medo de ter responsabilidades. Ele quer a segurança,
que a idade ainda lhe proporciona, para sempre. Tem medo do mundo adulto, pois,
mesmo sem experiência, percebe que o mundo dos adultos é intrincado e muitas
vezes cruel.
DSF - Como
auxiliar o filho adolescente para que ele cresça sem grandes problemas?
LGM - Não
existe uma receita para isso. O adulto tem que descobrir uma senha para entrar
no mundo do adolescente. Tem que dialogar, dialogar e ter compreensão.
Obviamente que tudo tem limite. O pai e a mãe não devem permitir que o
adolescente, por rebeldia ou falta de educação, tripudie com todo mundo. E é
salutar que ele entenda que muitas vezes a vida não é como ele pensa ou como
ele quer. O adolescente, muitas vezes, vê os pais como objetos para servi-lo.
Só que a vida não é assim, a começar quando ele arranjar seu primeiro emprego.
DSF - Defina
a adolescência.
LGM - A
adolescência, em síntese, é o momento de desconstrução. Todo momento de desconstrução
é uma mudança de identidade.
Um comentário:
Tenho filhos adolescentes. O menino tem 15 anos e a menina 14 anos. Relamente, é pura verdade. A entrevista é muito boa, porue explica muitas coisas, até algumas coisas que eu não compreendia e farão com que eu mude meu posicionamento em relação aos meus filhos para que possamos evitar conflitos que possam ser evitados. A entrevista vai me ajudar muito e ao meu marido também. Obrigada.
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