Entrevista - Rose Marie Muraro - publicada originalmente no jornal "Ministério da Saúde Informa" — Editora MS — Biblioteca Virtual em Saúde/BVS
Por Davis Sena Filho
— Blog Palavra Livre
Muraro: "A mulher está presente na evolução material e espiritual da humanidade". |
A feminista Rose Marie Muraro não tem papas na língua. Militante histórica do movimento feminista
brasileiro e, por que não, mundial, Rose Marie defende, incansavelmente, a
igualdade entre homens e mulheres em todas as atividades da existência humana,
nem que para isso as mulheres precisem fazer uma revolução. A revolução não
seria por meio das armas, mas por intermédio do diálogo - que ela chama de
"consenso" - e da "tomada democrática" do poder, pelo
gênero feminino, nos principais cargos públicos e privados do País.
Para Rose Marie, os sistemas econômicos e políticos criados e estruturados pelo homem estão exauridos, ou melhor, fracassaram. Como exemplos para o que diz, a feminista e escritora (autora de onze livros, dentre eles "Mulher no Terceiro Milênio" e "Textos da Fogueira"), formada em Física, cita as guerras, a exploração do homem pelo homem, a violência doméstica e urbana e a destruição da natureza.
As mudanças em relação a tudo isso já estão acontecendo, conforme entendimento de Rose, que afirma para quem quiser ouvir que as mulheres são maioria em escolas, universidades, serviço público dentre outros órgãos e entidades, o que, segundo ela, vai fazer a diferença e proporcionar à humanidade um mundo mais democrático, igualitário e menos violento.
Veja abaixo um pouco do que a física Rose Marie Muraro acredita e defende em sociedade, através de décadas, que a mulher tem de ganhar espaço, a fim de que o mundo se torne mais humano e por isso também melhor para os homens, eternos parceiros das mulheres.
Para Rose Marie, os sistemas econômicos e políticos criados e estruturados pelo homem estão exauridos, ou melhor, fracassaram. Como exemplos para o que diz, a feminista e escritora (autora de onze livros, dentre eles "Mulher no Terceiro Milênio" e "Textos da Fogueira"), formada em Física, cita as guerras, a exploração do homem pelo homem, a violência doméstica e urbana e a destruição da natureza.
As mudanças em relação a tudo isso já estão acontecendo, conforme entendimento de Rose, que afirma para quem quiser ouvir que as mulheres são maioria em escolas, universidades, serviço público dentre outros órgãos e entidades, o que, segundo ela, vai fazer a diferença e proporcionar à humanidade um mundo mais democrático, igualitário e menos violento.
Veja abaixo um pouco do que a física Rose Marie Muraro acredita e defende em sociedade, através de décadas, que a mulher tem de ganhar espaço, a fim de que o mundo se torne mais humano e por isso também melhor para os homens, eternos parceiros das mulheres.
Davis Sena Filho - A senhora gosta dos homens?
Rose Marie Muraro (riso) - Gosto. Sem eles o mundo ficaria sem
graça. Agora tem o seguinte: o homem, não como companheiro das mulheres, mas
como o ser em busca de poder, criou, ainda na pré-história, toda uma estrutura
chamada Sociedade de Caça, que é quando ele inventa sua primeira tecnologia:
objetos pontiagudos como lanças, agulhas e flechas e vai atrás de carne e pele
de animais para se alimentar e se proteger do frio. A partir daí ele passou a
não se preocupar com o plantio de hortaliças - invenção das mulheres - perto de
sua casa e passou a dominar outros homens e principalmente as mulheres. O Homem
começa a dominar outro homem porque para caçar ele precisa de terra, e terra
dividida proporciona menos animais para caçar e menos poder sobre seus
adversários. Daí para matar seu semelhante ou escravizá-lo é somente uma
questão de estalar os dedos. Se seu oponente ou inimigo não aceitar a situação,
aí teremos a guerra, que, sem sombra de dúvida, acontece até hoje. Quanto à
mulher, a Sociedade de Caça fez dela uma dependente do homem e à mercê de suas
vontades e violência. Como o homem tinha a carne e pele de animais e ainda
tinha o controle das armas pontiagudas, seu poder de barganha era, e até hoje
é, enorme, o que fez com que a mulher ficasse em um papel secundário, de
submissão.
DSF - E a questão da diferença de força física entre o
homem e a mulher, juntamente com as questões da gravidez, da menstruação e da
amamentação? Essas questões não fizeram com que o homem passasse a dominar as
primeiras sociedades e com isso ter o poder em suas mãos?
RMM - Não. Mais do que um problema de gênero, de sexo,
é um problema cultural. Veja bem: antes de o homem inventar tecnologias, as
relações entre homem e mulher primavam pelo respeito entre ambos os sexos, pois
ainda não existia a lógica patriarcal do matar ou morrer. As primeiras
sociedades eram matriarcais, onde o consenso imperava. As mulheres são
pró-diálogo, pois procuram negociar as diferenças, o que não acontece na
sociedade patriarcal, onde funciona um sistema terrível de imposição do pico da
pirâmide social para sua base, o que faz com que muitos homens sejam vítimas do
sistema, como as mulheres o são. A saída é a mulher no poder ou a mudança de
mentalidade do homem, para que haja o exercício da negociação. A fome, a
miséria, as doenças e a violência poderiam, pelo menos, ser amenizadas se a
base da pirâmide tivesse voz ativa e o pico da pirâmide aprendesse a entrar em
consenso. E é isto que nós, mulheres engajadas com as mudanças, queremos. Do
contrário, e até agora a história tem sido escrita desta forma, a sociedade
patriarcal e machista vai perdurar, como também o sofrimento dos pobres, das
minorias, dos mal instruídos e das mulheres. E viver assim é o que não
queremos.
DSF - A senhora fala em machismo e disse que os homens
são insensíveis, insensatos, egoístas, violentos além de quase incapazes de
compreender o amor. Mas fica uma dúvida: a senhora, como intelectual que é,
citou mais de 20 pessoas de diferentes séculos, de grande estatura intelectual,
filosófica, científica e humanística. Pessoas que através do tempo construíram
seu aprendizado e saber. Pois bem: dessas 20 pessoas, nenhuma é mulher. Todas
pertencem ao gênero masculino. Como a senhora explica isso?
RMM - É verdade. Todas as pessoas que citei são homens.
Aprendi muito com eles, a começar pelo meu pai. Reconheço, e a maioria das
mulheres também reconhece que o homem tem uma enorme e imensa capacidade de
transcendência. O homem está fortemente presente nas artes plásticas, nas artes
cênicas, na música, na literatura, nos esportes, nas religiões, na história
política, econômica e militar, nas descobertas científicas e tecnológicas etc.
Mas se há de compreender que a mulher também está presente na evolução material
e espiritual da humanidade. Há ainda de se reconhecer, por parte do homem, que, mesmo
sendo ele o deus das descobertas e das invenções tecnológicas, o mundo que ele
criou é cruel, pois no mundo do macho não existe o consenso, o diálogo, a
negociação. As mulheres, até por necessidade de se manterem vivas, aprenderam a
negociar as diferenças e com isso exercitar o consenso, tão necessário para o
desenvolvimento humano em todos os sentidos. Eu falo isso no sentido macro. É
óbvio que os homens negociam, geralmente resoluções a longo prazo quando a
negociação tem que ser feita com uma certa rapidez e agilidade. Por causa
disso, em contrapartida, a história humana é feita de guerras, principalmente o
século XX, apesar de todas as descobertas que beneficiaram a humanidade.
DSF - Mas não é de se estranhar que a mulher busque o
consenso, quando muitas mulheres que estiveram no poder, através dos séculos,
eram tão ou mais duras que os homens? Para ilustrar o que eu digo, cito algumas
mulheres da história e da mitologia: Margareth Tatcher, Golda Meir, Indira
Gandhi, Evita Perón, Cleópatra, Elizabeth II, rainha Vitória, Madalane
Albrigth, Vênus, deusa Era...
RMM - Todas não passam de machos castrados, com
exceção de Cleópatra, que era uma mulher magnífica, um ser humano atento e uma
grande negociadora sobre questões econômicas e políticas. Cleópatra negociou
com o governo romano, o que não era fácil, com o objetivo de preservar um
mínimo de dignidade para seu governo e para seu povo, além de inserir a mulher
no contexto social como um ser pensante e que tem livre arbítrio. Isto tudo bem
antes de Jesus Cristo, o que não é brincadeira. As outras mulheres citadas por
você apenas seguiram o "manual" de como proceder como um macho,
estando o mesmo no poder ou não. Essas mulheres, que são famosas, não estão
sozinhas. Grande parte das mulheres comuns é machista, sendo que muitas delas
procedem desta maneira sem perceber, já que estão intrinsecamente envolvidas
com a ideologia do macho, do sistema vigente, que é o Sistema de Caça, que é o
sistema do matar ou morrer, da exploração do homem pelo homem, do dominador e
do dominado, da destruição da natureza...
DSF - Se o homem rege esse sistema que é o de Caça e
que leva ao machismo, qual é a responsabilidade da mulher na construção desse
sistema, já que ela no passado foi (e talvez até hoje seja), insofismavelmente,
a principal responsável pela criação de seus filhos, inclusive os nascidos
machos?
RMM - É uma pergunta interessante. Mas lembra aquela
pergunta: "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha"? Certamente que
todos têm culpa. Tanto o homem quanto a mulher. O homem porque controla os
mecanismos de poder, e a mulher porque, quando machista, consciente ou não,
compactua com o homem para se beneficiar do sistema. Mas o problema não é este.
O problema é que a mulher seja legitimada.
DSF - O que significa isto?
RMM - Esta palavra é chave. Sermos legitimadas significa
que o homem e o sistema em que vivemos reconheçam a mulher como um ser que
produz; que é suficientemente competente para galgar cargos e funções
importantes, que é capaz de tomar decisões, sejam elas rotineiras ou muito
sérias. Não adianta as mulheres terem o poder concedido por aberturas
restritas, como se fosse uma esmola do sistema patriarcal. O homem tem que
reconhecer a nossa legitimidade, até porque este reconhecimento é importante,
pois, querendo ou não, o homem faz parte da vida da mulher. É o nosso parceiro
eterno.
DSF - Esse parceiro eterno não é incompatível com o
modo feminino?
RMM - Volto a afirmar: homens e mulheres são
incompatíveis. Eles sentem o mundo diferente e por isso pensam de formas
distintas. O homem, por natureza e por cultura, nasce, cresce e morre pensando
sempre de forma macro, no todo. Por isso que ele tem uma enorme capacidade de
transcendência, de compreender ou tentar compreender a sua própria existência
ou tudo o que lhe rodeia. Mas, todavia, ele tem também uma enorme dificuldade
de perceber detalhes, de discutir, de se abrir e falar de si próprio, no
intuito de melhorar suas relações com o semelhante e, em contrapartida,
melhorar as suas relações com o mundo, melhorando os sistemas políticos e
econômicos e com isso humanizando e democratizando cada vez mais a vida no
planeta. O homem é calado, geralmente não consegue abrir seu coração. Nada
irrita mais a um homem quando sua companheira quer discutir a relação em que
estão envolvidos. Irremediavelmente poderá haver desentendimentos ou até mesmo
brigas. Este fato que parece rotineiro à mulher é extremamente penoso ao homem,
pois ele é fruto da Sociedade de Caça. Ele foi preparado para resolver
problemas. Ele não foi preparado para dialogar e daí partir para a resolução
dos problemas, conforme característica peculiar da mulher, que, como te falei
antes, está acostumada ao consenso, à negociação e ao diálogo.
DSF - A senhora fala em poder e chamou as mulheres que
eu citei de machos castrados. Afinal, Rose, o que as feministas querem, pois é
difícil pensar, por exemplo, que Margareth Tatcher não seja feminista, apesar
de a senhora considerá-la um macho castrado. O poder — penso eu — é feito de
interesses, sejam eles de estado ou não. Seja ele, o poder, preenchido, em um
dado momento, por um homem ou por uma mulher.
RMM - Nós, as feministas, queremos a legitimação da
mulher como um ser que tem o direito de controlar sua própria vida e de construir
uma sociedade mais democrática e humana, que coloque dentro do armário, de
forma definitiva, o sistema baseado no patriarcalismo, que só trouxe sofrimento
e desigualdade para as mulheres, negros, índios, crianças, animais e a
destruição da natureza. Margareth Tatcher não é feminista, pois feminismo é
nada mais e nada menos que uma organização de mulheres de resistência ao
machismo, que há milênios é usado como meio de subjugação das minorias.
Tatcher, apesar de ser mulher, sempre usou os meios utilizados pelos homens que
edificaram, para eles, e somente para eles, a Sociedade de Caça.
DSF - A senhora poderia, então, dar exemplos de
sociedades onde a mulher, estando no poder ou fazendo parte dele tem voz ativa
e, portanto, construiu ou ajudou a construir um sistema de vida mais humano e
democrático?
RMM - Bélgica, Holanda, Canadá, Suécia, Islândia,
Noruega e Dinamarca. Só para se ter uma idéia, esses países estão dentre os que
têm os melhores índices de desenvolvimento humano, além de possuírem um sistema
político e econômico democrático e participativo. Pois bem, nesses países as
mulheres ocupam mais da metade dos cargos do serviço público e estão
majoritariamente à frente do sistema educacional. Além disso, na política, as
mulheres ocupam postos como de presidente ou primeiro ministro. A vida nesses
países está nas mãos das mulheres e que eu saiba os homens não têm reclamado
(risos).
Um comentário:
Davis, adorei suas perguntas e também achei a Rose Muraro muito inteligente. É muito bom ler entrevistas tão informativas como esta. Parabéns. Tenho 18 anos e aprendi muita coisa com a entrevista.
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