A imprensa de forma geral e a televisão, especialmente, induzem à violência e levam a população a acreditar em uma falsa realidade, como acontece com o caso do "mensalão". A corajosa opinião é do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello em entrevista à Conjur.
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"As pessoas esquecem que a imprensa é empresa e está aí para ganhar dinheiro" |
Leia a
entrevista:
ConJur —
Como o senhor vê o processo do mensalão?
Celso
Antônio Bandeira de Mello − Para ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve
evidentemente um conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na
época. Portanto, é possível que o mensalão seja em parte uma criação da
imprensa. Eu não estou dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.
ConJur −
Como o senhor espera que o Supremo vá se portar?
Bandeira
de Mello − Eu não
tenho muita esperança de que seja uma decisão estritamente técnica. Mas posso
me enganar, às vezes a gente acha que o Supremo vai decidir politicamente e ele
vai e decide tecnicamente.
ConJur −
O ministro Eros Grau disse uma vez que o Supremo decidia muitos casos com base
no princípio da razoabilidade e não com base na Constituição. O que o senhor
acha disso?
Bandeira
de Mello − Pode
até ser, mas eu acho que muitas vezes quem decide é a opinião pública.
ConJur –
E o que o senhor acha disso?
Bandeira
de Mello –
Péssimo. A opinião pública é a opinião da imprensa, não existe opinião pública.
Acho muito ruim decidir de acordo com a imprensa.
ConJur –
E como o senhor avalia a imprensa?
Bandeira
de Mello − A
grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes conservadoras. E o
domesticador do pensamento das classes dominadas. As pessoas costumam encarar
os meios de comunicação como entidades e empresas cujo objetivo é informar as
pessoas. Mas esquecem que são empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro.
Graças a Deus vivemos numa época em que a internet nos proporciona a
possibilidade de abeberarmos nos meios mais variados. Eu mesmo tenho uma
relação com uns quarenta sites onde posso encontrar uma abordagem dos
acontecimentos do mundo ou uma avaliação deles por olhos muito diversos; que
vai da extrema esquerda até a extrema direita. Não preciso ficar escravizado
pelo que diz a chamada grande imprensa. Você pega a Folha de S.Paulo e é
inacreditável. É muito irresponsável. Eles dizem o que querem, é por isso que
eu ponho muita responsabilidade no judiciário.
ConJur –
O que o Judiciário deveria fazer?
Bandeira
de Mello − Quando
as pessoas movem ações contra eles, contra os absurdos que eles fazem, as indenizações
são ridículas. Não adianta você condenar uma Folha, por exemplo, ou uma Veja
a pagar R$ 30 mil, R$ 50 mil, R$ 100 mil. Isso não é dinheiro. Tem que condenar
em R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. Aí, sim, eles iriam aprender. Do contrário eles
fazem o que querem. Lembra que acabaram com a vida de várias pessoas com o caso
Escola Base? Que nível de responsabilidade é esse que você acaba com a
dignidade das pessoas, com a vida das pessoas, com a saúde das pessoas e fica
por isso mesmo? Essa é nossa imprensa.
ConJur −
E em relação ao Supremo? Como o senhor vê a atuação da mais alta corte do país?
Bandeira
de Mello - Nosso
atual Supremo é melhor que o anterior. Não que eu não veja grandes problemas no
Supremo porque em tudo isso há um erro: o fato de os ministros serem
vitalícios.
ConJur −
Isso é um problema?
Bandeira
de Mello − Grave.
Uma vez eu ouvi de um membro do supremo a seguinte frase: “Professor, tantas
vezes nos chamam de excelência que a gente acaba pensando que é excelência
mesmo”. Oito anos de mandato seria mais que o suficiente. O supremo devia ter
um mínimo de [ministros] provenientes da magistratura de carreira. E não tem
praticamente ninguém. Agora cresceu com a escolha dessa senhora [Rosa Weber],
que é de carreira. Mas na verdade, tem muita gente do Ministério Público, da
Advocacia. Tem que ter, mas não pode ser maioria. Porque diga−se o que quiser
dos juízes, eles são treinados desde o comecinho para pelo menos tentar ser
imparcial. Você não precisa ter simpatia pelos votos daquele juiz, mas você
reconhece que ele é sério, dedicado, esforçado, conhece aquilo que está
falando, e você respeita. Há juízes no Supremo que são absolutamente
independentes, assim como há uns que você diz: que lástima, como é que está lá?
ConJur −
O senhor poderia indicar quem são?
Bandeira
de Mello − Claro
que não.
ConJur –
O STF legisla?
Bandeira
de Mello − Essa é
uma maneira reacionária de encarar. Ele [STF] não tem posição de legislador
nenhum. Agora se o legislador não faz a lei e o STF tem que decidir, ele vai
fazer o que? Tem que decidir seguindo os princípios da Constituição e as normas
constitucionais, é o dever. Se cabe alguma crítica a isso é ao Legislativo. Não
sei qual é o pior dos Poderes da República, mas eu penso que é o Legislativo. O
Legislativo é uma lástima pela péssima qualidade dos seus membros, sem
prejudicar figuras notáveis lá dentro.
ConJur −
Recentemente o seu nome foi citado em algumas reportagens colocando-o como
intermediário de um encontro entre o ex-presidente Lula e o ministro Ayres
Britto.
Bandeira
de Mello − Isso é
coisa típica da imprensa. O Lula nunca foi íntimo meu, nunca foi. Em segundo
lugar, se alguém pensasse que eu iria fazer a cabeça do ministro Ayres Britto é
porque é tonto. O ministro Ayres Britto é um homem absolutamente independente,
inteligente e muito culto. Vê lá se eu conseguiria fazer a cabeça do Carlos? E
vê lá se eu ousaria tentar fazer a cabeça do Carlos? Se você respeita um amigo,
você tem que saber qual é o seu limite. Você não pode falar para o cara fazer
isso ou aquilo. No entanto, a Folha de S.Paulo disse que eu fui
contratado para aliciar o ministro Carlos Britto no caso daquele italiano...
ConJur −
Cesare Battisti?
Bandeira
de Mello − Cesare
Battisti. [A Folha] Teve a petulância de dizer isso de mim. Eu diria: que lixo.
No meu pensamento eu diria: que merda de jornal é esse que duas mulherezinhas
escrevem isso de mim? Como se eu fosse capaz de fazer isso. Ainda disse que eu
fui contratado. Eu não fui contratado, eu dei gratuitamente um parecer.
Gratuitamente. O advogado, que era o Barroso, me telefonou e falou: “Celso,
você daria um parecer sobre um caso, você se sente à vontade, você está de
acordo com a tese? Só que eu não vou ter dinheiro para te pagar por ele”. Falei
que não era caso de dinheiro. Devia ser visto como consciência cívica. Esse
homem na Itália corria um risco terrível, se levassem esse homem para lá. Ele
foi julgado à revelia praticamente. Aquele julgamento foi uma vergonha, foi na
base da delação premiada que os outros caras o acusaram. No tempo do golpe,
quando os militantes eram torturados eles procuravam apontar para alguém que
estava fora do país, para não correr risco. Ele [Battisti] estava fora do país
e disseram que foi ele que atirou. Ele estava na França naquela época, e os
caras disseram que foi ele.
ConJur −
Como o senhor viu a decisão do Supremo no caso?
Bandeira
de Mello − Não
terminou tão bem quanto eu gostaria. Mas acabou reconhecendo que é o presidente
quem deveria decidir, que era a decisão correta. E justamente o ministro Carlos
Britto, que eles disseram que eu tinha sido contratado para aliciar, foi o que
votou contra.
ConJur −
Vocês são amigos ainda hoje?
Bandeira
de Mello – Muito.
Nós somos amicíssimos, não só amigos. O Carlos é meu amigo há mais de quarenta
anos, e foi meu aluno também.
ConJur −
Na época do governo FHC havia um grande número de ações por improbidade
administrativa, e de certa forma, durante o governo do PT isso deu uma
diminuída. O senhor acha que o Ministério Público amadureceu, houve alguma
mudança?
Bandeira
de Mello − No
governo do Fernando Henrique houve muita corrupção, e essas ações eram uma
demonstração disso. Houve corrupções confessadas, por exemplo, foi gravado o
senhor Fernando Henrique dizendo que podia usar o nome dele numa licitação. O
que aconteceu com ele? Nada. Ele está endeusado pela imprensa. Nada. O senhor
Menem andou uma temporada na cadeia, o senhor Fujimori está [na prisão] até
hoje, e com ele [FHC] nem isso aconteceu. Não estou dizendo que era para ele ir
para a cadeia ou não. Mas foi um crime e não aconteceu nada. Olha os dois pesos
e duas medidas. Pegaram aquele italiano [Salvatore Cacciola] e meteram na
cadeia. Ele ficou algum tempo e agora está solto.
ConJur –
E no governo Lula?
Bandeira
de Mello − As
pessoas podem dizer o que quiserem a respeito dele, mas só não se podem renegar
fatos: 30 milhões de pessoas foram trazidas das classes D e E para as classes B
e C. Basta isso para consagrar esse homem como o maior governante que esse país
já teve na história. Mas não só isso. Foi, portanto, a primeira vez que
começaram a ser reduzidas as desigualdades sociais, que a Constituição desde
1988 já mandava. E veja outro fenômeno tão típico: olha o ódio que certos
segmentos da classe média têm deste governante, deste político. É profundo,
visceral. É o ódio daqueles que não suportam alguém de origem mais modesta
estar equiparado a ele.
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico
Um comentário:
A verdade que a bosta da imprensa jamais mostra.
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