Teodoro Sampaio: intelectual, mestre acadêmico e engenheiro que ajudou a desenvolver o Brasil |
Por Davis
Sena Filho — Blog Palavra Livre
O Imperador
e filósofo romano Marco Aurélio que, no ano de 161 depois de Cristo assumiu o
trono de Roma, afirmou a seguinte frase: “Logo tu esquecerás; logo te
esquecerão!”. Lembro a frase desse importante mandatário romano porque ela é
profundamente verdadeira ao tempo que muito triste, porque traduz,
inapelavelmente, a nossa condição humana de mortais, que, com o tempo, são
esquecidos pelas gerações vindouras.
Do
imperador passo a falar de um grande homem brasileiro, que não era de família
nobre, mas de uma grandeza ímpar, que fez com que muitos brasileiros, de sua
geração, o considerasse pessoa importante, por seu talento, sua dedicação ao
trabalho e aos interesses do Brasil, de seu povo, além da luta pela dignidade
do homem negro, que veio para este País à força, na condição de escravo e
desprovido de liberdade, de seus direitos civis.
No dia de
hoje, 15 de outubro, completam-se 74 anos da morte do Deputado Federal Teodoro
Sampaio, o único parlamentar brasileiro que nasceu escravo e virou nome de duas
cidades, uma localizada no Estado de São Paulo, a outra fica na Bahia, estado
onde o ilustre brasileiro nasceu. A Teodoro Sampaio baiana se chamava Bom
Jardim, município do Recôncavo Baiano.
Filho do
padre Manoel Fernandes Sampaio e da escrava Domingas Paixão, Teodoro Sampaio,
no decorrer do tempo, tornou-se um homem de muitas realizações. Levado para o
Rio de Janeiro aos nove anos por seu pai, que o matriculou em uma escola para
ele estudar as primeiras letras, o futuro engenheiro se notabilizou por sua
capacidade de compreensão e por sua facilidade em colocar em prática tudo
aquilo que tinha aprendido.
Engenheiro
formado em 1877, aos 22 anos, pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro,
Teodoro Sampaio, enquanto não pôde exercer a profissão, foi professor de
matemática e desenhista do Museu Nacional, o que lhe rendeu algum dinheiro para
comprar as cartas de alforria de seus irmãos cativos na Bahia. Livrou os irmãos
Martinho, Matias e Ezequiel da escravidão, bem como negociou a liberdade de sua
mãe, junto ao Visconde de Aramaré, proprietário do Engenho Canabrava, local
onde nasceu toda a família do engenheiro negro. Por ser filho de branco,
Thedoro Sampaio nunca foi escravizado.
Seu
talento, de grande expressão, o levou a ser nomeado pelo imperador Dom Pedro II
como integrante da Comissão Hidráulica. Ele foi o único brasileiro entre os
engenheiros norte-americanos a fazer parte de um grupo que estudou o escoamento
de águas e as aplicações tecnológicas necessárias para a construção de canos e
sistemas pluviais e sanitários.
Teodoro
Sampaio foi realmente uma personalidade das mais importantes. Foi um dos
maiores pensadores brasileiros de todos os tempos. Ele tem a importância e a
estatura de Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, Nina Rodrigues e Euclides da
Cunha — personalidades contemporâneas do engenheiro.
Para se
ter uma ideia de sua grandeza como intelectual, Euclides da Cunha, autor de “Os
Sertões”, o consultou para saber sobre a região de Canudos, na Bahia, onde
estava a acontecer um dos maiores conflitos armados do Brasil, quando forças do
Governo enfrentaram os seguidores de Antônio Conselheiro. Teodoro era apenas 11
anos mais velho que Euclides e foi seu mestre e mentor direto.
Teodoro
Sampaio foi historiador, pesquisador e escritor. Dentre os livros mais
importantes de sua autoria e que servem até hoje como referências
bibliográficas estão “O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina”, “São Paulo
no Século XIX e outros Ciclos Históricos”, “Atlas dos Estados Unidos do
Brasil”, “Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil”, “História
da Fundação da Cidade de Salvador” e o “O Tupi na Geografia Nacional”.
Se
Teodoro foi um grande pesquisador, sua carreira de engenheiro não ficou atrás.
Após se formar na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, ele teve a oportunidade
de exercer a profissão em São Paulo. Integrou a Comissão Geográfica do Estado e
participou de expedições de reconhecimento e mapeamento das suas principais
bacias hidrográficas. É de sua autoria o mapeamento completo do Vale do
Itapetininga e do Paranapanema, publicado em forma de grande Atlas em 1889.
No ano de
1890, publicou “Considerações Geográficas e Econômicas sobre o Vale do
Paranapanema”, o que levou a região do Pontal paulista a ter uma cidade com seu
nome, na divisa com o Paraná. Entre os anos de 1890 a 1892 ocupou o cargo de
engenheiro-chefe de Águas e Saneamento da Companhia Cantareira. Quem o nomeou
foi o governador Prudente de Morais, que, futuramente, seria presidente do
Brasil. Teodoro Sampaio foi ainda membro fundador da Escola Politécnica de São
Paulo, além de ser membro do Instituto Histórico e Geográfico daquele Estado. O
engenheiro foi também diretor de Saneamento do Estado de São Paulo, quando
implantou obras de saneamento em inúmeras cidades do interior paulista.
Na Bahia,
Teodoro Sampaio construiu pontes nas principais linhas ferroviárias do estado,
bem como participou da desobstrução de pontos que dificultavam a navegação do
São Francisco, dentre eles a cachoeira de Sobradinho. Em Salvador, após deixar
São Paulo, realizou obras de saneamento e abastecimento de água. A engenharia
resolveu sérios problemas de abastecimento, ao elevar de 7 milhões de litros de
água diários para 32 milhões. Além do mais, Teodoro aumentou de três para sete
as represas de captação de água, assim como ampliou todo sistema de bombeamento
e esgotos da capital baiana.
O grande
engenheiro era ecologista e ambientalista, bem antes de estas palavras se
tornar lugar-comum no fim do século XX e início do XXI. Sua preocupação
ambiental e sanitária é ímpar, pois ele implantou filtros de tratamento para os
afluentes do rio Camurujipe. Devemos, de forma lúcida, observar que essas ações
aconteceram no início do século XX, o que nos leva a considerar Teodoro Sampaio
como um homem muito à frente de sua época.
Tão à
frente, tão cerebral e talentoso que mesmo nascido escravo foi nomeado para
cargos importantes, inclusive pelo Imperador Dom Pedro II, que, faça-se
justiça, era também um homem de grande compreensão sobre desenvolvimento,
voltado à ciência e às letras. Por isso, lamento que um brasileiro de tamanha
envergadura tenha, praticamente, sido esquecido. Teodoro Sampaio é, sem sombra
de dúvida, um dos Pais da Pátria, além de ser um dos principais vultos de nosso
País, porque ele o ajudou a se desenvolver e, mais do que isso, ajudou-o a se
civilizar.
O povo
baiano ainda foi beneficiado pelo engenheiro com a restauração do antigo prédio
da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, com a construção do Liceu
Salesiano de Salvador, com o Dispensário Ramiro de Azevedo e com o
desenvolvimento e a modernização acadêmica do Instituto Geográfico e Histórico
da Bahia, que o teve como presidente por 15 anos.
Para
encerrar, quero afirmar a todos que me ouçam que inteligência, cultura,
integridade moral, talento e determinação são valores inalienáveis e não
pertencem à raça alguma. Os homens nascem iguais. As oportunidades de
crescimento como ser social é que são diferentes. O insigne Teodoro Sampaio é
uma referência de vida para todos brasileiros, e por isso deveria sempre ser
lembrado, tal qual muitos outros cidadãos pátrios que também foram esquecidos.
Teodoro
nasceu em 1855 e morreu em 1937, em pleno Governo Getúlio Vargas. Foi deputado
federal entre 1926 e 1929, ao ocupar a vaga deixada por Otávio Mangabeira, que
assumiu, na época, o Ministério do Exterior no Governo do presidente Washington
Luís.
Seu
desaparecimento, portanto, completa 75 anos, o que me leva a pensar no Brasil e
em seu povo altaneiro e trabalhador, que merece o melhor de todos os segmentos
da sociedade e dos governos. Homens como Teodoro Sampaio são imprescindíveis, porque
eles não constroem apenas um país — constroem uma nação.
Vamos,
então, não dar razão à frase histórica do imperador romano Marco Aurélio, que
disse: “Logo tu esquecerás; logo te esquecerão!”. Para isso, precisamos
resgatar o passado, que é e sempre será o alicerce do presente e do futuro. Ao
saber disso, coopero, humildemente, a resgatar o nome de Teodoro Sampaio,
esquecido por muitos e valorizado por poucos. Esquecer é ingratidão. Lembrar é
fazer justiça.
Um comentário:
Bela lembrança
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