Por
Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
Certa vez, ainda na década dos anos 80, especificamente em 1982 quando pela primeira
vez após o golpe de 1964 realizaram eleições diretas para governadores no Brasil,
conversava com o meu pai sobre as eleições daquele ano e o questionava sobre o
porquê de não podermos também votar para presidente da República. Eu tinha 22
anos, e aquela experiência cívica era inédita para mim, bem como falar de
política abertamente nas ruas e na universidade e ver as pessoas — jovens, adultas
e idosas — se manifestar sem nenhum problema, por exemplo, com a polícia.
Eu
morava no Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo, e suas ruas estavam repletas
de “santinhos”, propaganda nos postes, hidrantes, bancas de revistas, paredes
de prédios, janelas dos moradores, além de cobertas de faixas e pingentes.
Naquele tempo, as regras eleitorais não eram tão rígidas como hoje, pois até fazer
boca de urna era permitido, bem como usar camisetas, bonés e bandeiras perto ou
até mesmo em frente às zonas eleitorais onde os eleitores votavam. Era
realmente uma festa cívica, o que me leva a ressaltar e lembrar que o Brasil,
até então, era o Pais que ainda não tinha passado pelas experiências do movimento
das Diretas Já, de 1984, e da promulgação da progressista Constituição de 1988.
Contudo,
voltemos ao início. “Pai, por que o governo não permitiu eleições para
presidente?” Ele me olhou e respondeu: “Por que o governo não quer abrir de vez,
e muito menos perder a eleição para presidente, pois sabe que vai perder as
eleições para a oposição em alguns estados. A anistia permitiu a volta de
muitos líderes que tem voto, e o governo vai fazer tudo de forma lenta”
A anistia
ocorreu em 1979 quando os exilados começaram a retornar ao Brasil. Os meios de
comunicação privados praticamente não mostraram aos brasileiros o histórico e
importantíssimo acontecimento. O processo político era propositalmente lento. O
lema cínico e hipócrita do governo do general Ernesto Geisel era o seguinte: “Abertura
lenta, gradual e segura”.
A essa definição draconiana, a imprensa burguesa de negócios privados dava
notoriedade, pois suas manchetes serviam como aviso às oposições, às esquerdas
e aos exilados. Era a praxe dos usurpadores das liberdades e da legalidade
democrática, constitucional e civilizada.
O objetivo era protelar ao máximo a existência
do nefasto regime ditatorial e, consequentemente, criar condições para a
permanência no poder dos militares e dos civis que se encastelaram ilegalmente no
Palácio do Planalto desde 1964. Afinal, a ditadura não foi somente militar,
pois também civil, com a aquiescência, a cooperação e a cumplicidade das organizações(?)
dos Marinho e de outras famílias de empresários do setor midiático privado. O
que significa “organizações”? Estranho, não?
Leonel
Brizola, na época o político mais emblemático da oposição, venceu no Rio de
Janeiro, e pela primeira vez na vida, por intermédio do escândalo Proconsult,
SNI e Rede Globo, percebi nitidamente que a direita, as oligarquias brasileiras
herdeiras da escravidão são capazes de uma sordidez e de uma perversidade que
deixariam o diabo humilhado e envergonhado de seus atos e ações por
considerá-los dignos de um amador.
Para
mim e para muitos, os governantes trabalhistas que assumem o poder e não
efetivam um marco regulatório para as mídias é como se estivessem a colocar
suas cabeças nas bocas de leões. O segmento empresarial brasileiro,
proprietário dos meios de produção, e a classe média ideologicamente
conservadora e socialmente reacionária, cruel e preconceituosa são selvagens e mostraram,
sem sombra de dúvida, através da história, o que querem e como veem o mundo e o
Brasil, que são retratados por eles como um lugar para poucos privilegiados.
São grupos sociais que não gostam de mudanças
mesmo se forem beneficiados por elas, porque são presos a aspectos ideológicos
e a conceitos e preconceitos instintivamente arraigados e aprendidos no
decorrer de gerações e nos ambientes em que vivem e foram criados. Quando não compreendem as questões históricas,
políticas e governamentais passam a considerar, de forma ridícula e confusa,
que seus valores correm perigo, e, consequentemente, transformam-se em feras, desprovidas
de misericórdia e tolerância, notadamente quando estão em público, pois em casa
ou junto de seus grupos sociais, são geralmente cordatos, gentis e cândidos.
A classe
média portadora do pensamento único repercutido pela mídia oligopolizada, que
no Brasil e na América Latina quer impor a ditadura da imprensa, em combate sem
trégua contra os governos trabalhistas e contra a liberdade de expressão dos
entes considerados como seus inimigos. O individualismo como valor de
sobrevivência, pois sectário e supostamente VIP. A concretização de um mundo
neoliberal, que diminui o espaço do público e aumenta o espaço do privado. Exclusão.
Repulsa e ódio à inclusão, e, portanto, ao povo e às massas. A classe média que chora ao ver novelas e trata mal a empregada doméstica. A opção medida e
calculada pela barbárie. A constatação da verdadeira história do “Doutor Jekill e Mister Hyde” — “O Médico
e o Monstro”.
Quando
Lula ficou doente, pois vítima de câncer, as classes médias e altas, as mesmas
que marcharam contra o presidente João Goulart e que atualmente participam de
marchas artificiais contra a corrupção similares ao “Movimento Cansei”,
infestaram as redes sociais e os espaços para cartas em jornais e revistas com
mensagens e ofensas grosseiras, estúpidas, crudelíssimas e de caráter mezzo fascista. Simplesmente
foram impiedosos com o ex-presidente. Muitos dos leitores e internautas desejaram a morte do político trabalhista, que incluiu 40 milhões de brasileiros nas classes médias D e C, além de facilitar o acesso da classe média "tradicional" aos aeroportos, aos empréstimos consignados ou não, à compra do carro e da casa própria, bem como democratizou de vez as universidades públicas, até então clubes restritos aos filhos de uma classe que detesta os programas sociais, mas adora pegar o bolsa-empréstimo para viajar aos EUA e Europa e depois, na volta ao Brasil, exibir-se como se fosse cosmopolita.
Defendem
com unhas, dentes e um egoísmo atroz o que acham o que podem perder, talvez
tudo aquilo que concerne aos seus benefícios em vida, garantidos pelo establishment, que compreendeu a classe média
de ideologia separatista e elitista, porque é, sem sombra de dúvida, a
porta-voz de uma sociedade estratificada, bem como o arcabouço ideológico dos
conservadores por ser sua mais importante e poderosa aliada. É o status quo sedimentado em privilégios, moralismos
de conveniência e na repressão àqueles que tentam ou almejam furar a redoma de
cristal das classes abastadas, que relativizam, de forma infame, a vida em
sociedade e a coisa pública, o que demonstra a ignorância e a selvageria dos
que se consideram “superiores” e “bem nascidos”.
Volto ao Brizola.
O líder trabalhista abriu a boca e denunciou a “gorilagem” dos generais e da Polícia Federal, bem como a safadeza vil efetivada pelas Organizações(?) Globo, que, indubitavelmente, representam aqueles que há séculos se consideram donos do Brasil e lutam diuturnamente para manter seus privilégios intactos. São tão cruéis e vazios de razão que, para se perpetuarem no poder, protelaram o tempo e feriram o corpo da sociedade à custa da dor de sua alma e de sua miséria material, o que, irremediavelmente, faz-me acreditar que as nossas “elites” tratam o povo e os trabalhadores como cidadãos de segunda classe, sem direitos, mas com deveres, que é o de servir e trabalhar para encher os bolsos dos ricos de dinheiro, sem, no entanto, reclamar por uma vida de melhor qualidade, ou seja, civilizada e justa.
Volto ao Brizola.
O líder trabalhista abriu a boca e denunciou a “gorilagem” dos generais e da Polícia Federal, bem como a safadeza vil efetivada pelas Organizações(?) Globo, que, indubitavelmente, representam aqueles que há séculos se consideram donos do Brasil e lutam diuturnamente para manter seus privilégios intactos. São tão cruéis e vazios de razão que, para se perpetuarem no poder, protelaram o tempo e feriram o corpo da sociedade à custa da dor de sua alma e de sua miséria material, o que, irremediavelmente, faz-me acreditar que as nossas “elites” tratam o povo e os trabalhadores como cidadãos de segunda classe, sem direitos, mas com deveres, que é o de servir e trabalhar para encher os bolsos dos ricos de dinheiro, sem, no entanto, reclamar por uma vida de melhor qualidade, ou seja, civilizada e justa.
O
maragato e trabalhista Leonel Brizola, revolucionário por hereditariedade cuja
origem é o pampa gaúcho, enfrentou a ditadura militar mais uma vez e acusou a
Proconsult, empresa de informática contratada pelo TRE do Rio para totalizar os
votos de cometer fraude. O papel da emissora golpista conhecida como Globo era
tergiversar sobre o crime político e eleitoral, e, dessa forma, dar uma
conotação de “legalidade” à sociedade carioca e brasileira. Não deu para os
golpistas de direita continuar com a pantomima, e o gaúcho que sofreu o mais
longo exílio sofrido por um brasileiro foi eleito governador do Rio de Janeiro
pelo PDT. Proibido de pisar em solo do Brasil durante 15 anos, Brizola é
consagrado pelas urnas. Os monstros naqueles dias foram derrotados. É isso aí
4 comentários:
Fico chateado de não poder _por absoluta falta de tempo_ comentar seus sempre excelentes e licidíssimos posts. Sua descrição acurada da classe "mérdia", é supimpa!!! Este texto é para se aplaudir de pé. Parabéns. Coninuo seu franco admirador.
Abraço
Marcos Lúcio_
Correção: lucidíssimos...continuo. Desculpe a pressa.
M. Lúcio
M. Lúcio, você sempre será um leitor bem-vindo, pois és uma pessoa que muito considero.
nesta eleição votei no lisâneas maciel,embora tenha ficado feliz com a vitória do brizola.abs!!roberto vianna
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