Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
No
dia 21 de junho de 2004, Leonel de Moura Brizola faleceu aos 82 anos.
Governador do Rio Grande do Sul e duas vezes do Rio de Janeiro, Brizola foi um
dos políticos mais emblemáticos e importantes do Brasil no século XX, e caso
único de mandatário eleito para governar em dois estados. Conhecido
mundialmente, Brizola, além de ser o responsável maior pela Cadeia da
Legalidade que garantiu a posse do presidente João Goulart, em 1961, impediu um
golpe militar iminente, que foi “adiado” para o dia 1º de abril de 1964, data
considerada como o Dia da Mentira ou do Mentiroso.
Em
junho de 2014 completar-se-ão dez anos do desaparecimento do grande político
trabalhista gaúcho e brasileiro, presidente de honra da Internacional
Socialista, e que, em 1989, quase conseguiu levar o pequeno PDT ao segundo
turno das eleições presidenciais, disputa que ficou a cargo do PT, de Lula,
contra o candidato da direita, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL).
Brizola se aliou ao candidato petista, transferiu seus votos do Rio de Janeiro
e do Rio Grande do Sul quase que integralmente, bem como seus eleitores de
outros estados votaram também em massa em Luiz Inácio Lula
da Silva.
Contudo,
a união entre Brizola e Lula não foi o suficiente para derrotar Collor, que
recebeu a adesão de diversos partidos, grandes e pequenos, além de ter o apoio
da classe média coxinha e do empresariado urbano e rural, principalmente dos
magnatas bilionários da imprensa de negócios privados, notadamente a Globo, que
apoiou o candidato da direita durante toda a campanha, bem como editou o último
debate há apenas dois dias das eleições quando mostrou, no Jornal Nacional, os
melhores momentos de Collor e os piores de Lula.
O
episódio foi um verdadeiro escândalo e negado pelas Organizações(?) Globo até
há poucos anos, mas reconhecido, posteriormente, pelos profissionais que
controlavam na época o jornalismo da televisão de Roberto Marinho, a exemplo de
Armando Nogueira e Alice Maria, além do Boni, vice-presidente de operações da
emissora, que já deram declarações nesse sentido sobre a edição que favoreceu o
candidato dos conservadores e da Globo. O próprio Roberto Marinho anos depois
afirmou que interferiu no processo de edição do debate veiculado no Jornal
Nacional.
Um
crime cometido pela imprensa corporativa, cúmplice efetiva da ditadura, que
manipulou e distorceu a informação, a fim de influenciar o eleitorado
brasileiro, em um tempo que o Brasil estava a realizar as primeiras eleições
diretas para presidente depois de longos 29 anos. Desde o ano de 1960, quando
Jânio Quadros foi eleito, os brasileiros ficaram sem o direito constitucional
de votar para presidente da República, assim como a maioria das lideranças
políticas socialistas, trabalhistas e até mesmo liberais, mas legalistas foi
exilada e, consequentemente, afastada do processo político controlado pelos
novos donos do poder: a direita e a extrema direita brasileira.
Anteriormente,
no ano de 1982, Leonel Brizola foi vítima também de uma conspiração entre a
Globo, o SNI e a Polícia Federal do governo do presidente general João
Figueiredo. O líder trabalhista quase perdeu as eleições para governador do Rio
de Janeiro, no famoso escândalo da Proconsult, cuja intenção era manipular os
votos e, por conseguinte, fazer com que o candidato do PDS, Moreira Franco,
fosse o vencedor e assumisse o Palácio da Guanabara.
Mais
uma mácula na história da Rede Globo, uma empresa privada, de concessão
pública, a fazer política e, mais do que isto, a cometer crimes eleitorais com
a intenção de interferir no processo eleitoral brasileiro, para que seus
interesses econômicos e políticos fossem concretizados. Leonel Brizola percebeu
a armadilha e convocou a imprensa para denunciar o jogo sujo perpetrado por
órgãos de segurança e pelos jornalistas empregados do magnata bilionário
Roberto Marinho.
O
escândalo da Proconsult contra a eleição de Brizola pelo povo do Rio de Janeiro
e a edição mequetrefe e manipulada do Jornal Nacional que prejudicou Lula há
apenas dois dias das eleições presidenciais são os maiores exemplos da ousadia
e do atrevimento de empresários autoritários inconformados com a
redemocratização do Brasil e que se assemelha ao inconformismo das comunidades
de informação e repressão, que, evidentemente, portadores de outros
instrumentos de coerção, passaram a boicotar e a sabotar com violência a
abertura política, bem como as primeiras eleições diretas da década de 1980.
O
trabalhista e maragato Leonel Brizola foi lançado na vida pública pelo
estadista Getúlio Vargas, e teve uma carreira política longa, de mais de
cinquenta anos. Brizola lutou pelas causas populares e pagou um preço muito
alto, pois perseguido pelo establishment, bem como ofendido em sua honra e
dignidade, além sua pessoa ser, sistematicamente, desqualificada pelos inimigos
partidários e principalmente pelos sabujos da imprensa pagos pelos seus patrões, os barões da imprensa,
para desconstruí-lo e, por sua vez, impedi-lo, entre outras coisas, de ser
presidente da República.
Brizola
foi um titã vocacionado para a luta em prol da liberdade e do desenvolvimento
social do povo brasileiro. Político polêmico e nacionalista, considero que o
distanciamento histórico para uma análise precisa de sua vida pessoal e
política é ainda muito curto em relação ao tempo. A história tem de ser escrita e lida de forma fria e isenta, mas uma coisa se pode dizer do
Velho Briza: era um homem muito corajoso, coerente e de valores perenes.
A
coragem e a verve ideológica de Leonel Brizola provêm dos rincões do Rio Grande
do Sul, que foram banhados de sangue ao longo de sua história, por causa de
suas inúmeras revoluções e conflitos armados entre suas elites e facções
políticas. Durante a Revolução Federalista, em 1923, seu pai, José de Oliveira
Brizola, morreu lutando nas tropas lideradas por Joaquim Francisco de Assis
Brasil, que combatiam os republicanos, cujo chefe era o presidente do Rio
Grande do Sul, Antônio Augusto Borges de Medeiros.
Os
republicanos, chamados de chimangos ou pica-paus, usavam lenços brancos no
pescoço. Os federalistas denominados maragatos, usavam o lenço vermelho, que
Brizola usou como símbolo de sua luta política por toda sua vida. O legado de
seu pai, humilde lavrador, foi sua morte em defesa de suas crenças políticas e
sociais. Brizola, de orlgem pobre, perdeu o pai com um ano de idade e recebeu
de herança o lenço vermelho, em referência aos maragatos gaúchos ao tempo que
uma homenagem ao seu pai.
Foi
nesse ambiente ideológico e de guerra entre os gaúchos que Leonel Brizola se
fez político. Ele foi o último personagem dos embates riograndenses, que
duraram cerca de duzentos anos. O mandatário é considerado o herdeiro do
trabalhismo de Getúlio Vargas e de João Goulart, única doutrina política e
social do Brasil que, realmente e rigorosamente, se propôs a efetivar as reformas
de base, no que tange à industrialização, ao trabalho e à soberania do Brasil,
a partir da Revolução de 1930. Até hoje o povo brasileiro é beneficiado
socialmente e economicamente pelo legado dos trabalhistas, e por isso reconhece
o valor desses homens de alma popular e verve guerreira.
O
nacionalismo de esquerda de Leonel Brizola, chamado equivocadamente e
cinicamente de populismo pela direita partidária, com a cumplicidade da
imprensa burguesa, a fim de desqualificar as ideias do grande político,
desagradou às elites brasileiras. A partir de 1964, com a assunção dos
militares ao poder, por meio de golpe de estado, o perseguiram cruelmente,
calando-o, ameaçando-o de morte e exilando-o por 15 longos anos. Investigaram
sua vida, incessantemente, e não acharam sequer uma mácula que manchasse seu
nome. Chamaram-no de louco, radical, insano e insensato, e, mesmo com as
interpéries e os obstáculos, o gaúcho de Carazinho continuou a marchar no
caminho de sua vida e de seu destino.
Humilharam
sua mulher, seus amigos, sua família, seus correligionários e proibiram que seu
nome por 15 anos saísse, sequer, nas publicações impressas, nas rádios e nas
televisões brasileiras. Era como se Leonel Brizola nunca tivesse um dia
existido. Era como se Brizola fosse um ser invisível. A minha geração somente
tomou conhecimento da existência de Brizola em 1977, quando começou a
recrudescer a luta pela Anistia, que, enfim, foi concedida em 1979, por meio de
muita pressão da sociedade organizada.
Vale
lembrar ainda aos que têm amnésia que a distensão política no Brasil e na
América Latina aconteceu também por causa do presidente dos Estados Unidos, o
democrata Jimmy Carter, que pressionou pelo estabelecimento da política de direitos
humanos no mundo, além de efetivar a distensão política na América Latina.
Carter cobrou do presidente general Ernesto Geisel, por exemplo, o fim do
regime de força, o que ocorreu no início da década de 1980.
O
presidente norte-americano, ao que me parece, nunca foi estudado a altura pelos
nossos historiadores e muito menos é personagem da imprensa associada à
ditadura no que diz respeito ao mandatário ter sido fundamental para que
houvesse abertura política no Brasil, além da forte pressão interna liderada
pelo MDB de Ulysses Guimarães e de setores da sociedade organizada
exemplificados na OAB, na CNBB, na ABI, nas universidades e nos principais
sindicatos de trabalhadores do ABCD paulista.
Leonel
Brizola lutou bravamente pelos direitos civis do povo, da legalidade
constitucional e institucional, bem como se sacrificou pela democracia. Foi
combatido, inapelavelmente, e combateu sem pedir arrego, porque como todo gaúcho
de caráter e coragem é bom de peleia, o que o levou a nunca desistir de
acreditar em um Brasil
solidário, justo e democrático. Pagou um preço alto por sua determinação de
enfrentar o status quo estabelecido pelas elites. Morreu sem ver o Brasil como
em seus sonhos, ou seja, um País para os brasileiros e também para os
estrangeiros, que vieram para as nossas terras viver e oferecer suas mãos para
trabalhar.
O
líder trabalhista acreditava na educação. Somente por intermédio da educação
nós sabemos que o povo se torna digno, livre e emancipado. Um povo educado e
informado tem força para fiscalizar os maus governos e reivindicar seus
direitos. Com a crise econômica e política que o mundo vive atualmente
percebemos, então, como o gaúcho Leonel Brizola faz falta. Quando vivo foi
desprezado pelas classes dominantes e agora, morto, saberemos justificar,
dignificar e honrar seu legado e sua memória. Brizola é um dos líderes da
resistência do povo brasileiro, e homens de seu caráter são imprescindíveis
para a formação cívica e cultural de uma Nação única e por isto especial como o
é a brasileira. Brizola é o maragato libertário. É isso aí.
10 comentários:
Acho que foi o único político que foi até o fim contra o 'câncer' chamado globo.
Arthur Lavigne, advogado de Brizola, só teve motivos para comemorar com o direito de resposta que entrou para a história do direito e da televisão brasileira.
Na voz de Cid Moreira, Brizola chamou Roberto Marinho de difamador.
Lido por Cid Moreira em pleno jn:
Brizola não reconhecia a emissora como “autoridade em matéria de liberdade de imprensa”.
E que “tudo na Globo é tendencioso e manipulado”.
Em dezembro/2011, o grande jornalista Davis, escreveu um texto, onde no final dizia:
"...
Em tempo: Brizola, infelizmente, não teve a oportunidade de ver a crescimento social e econômico do povo brasileiro no decorrer do Governo Lula e agora no governo de Dilma Rousseff, bem como não teve a satisfação de ver o Brasil ser muito respeitado pela comunidade internacional. O líder trabalhista também não viu a presidenta do FMI, Christine Lagarde, chegar ontem ao Brasil de joelhos e com o pires na mão pedir dinheiro e receber um altissonante não, tal qual ao que acontecia no governo do vendilhão da Pátria e neoliberal FHC, que, como hoje procede o FMI, ficou de joelhos e de pires na mão por TRÊS VEZES, a humilhar o Brasil e seu povo. "
É isso aí.
Valeu Davis
Meu prezado Henrique, com quem aprendo muito: eu não me lembrava deste texto que você publicou como comentário. Muito legal sua lembrança. Um grande abraço e tudo de bom.
Muito bom. Viva o maragato peleador de Carazinho!
Bom, eu ouvi falar que o Jimmy Carter não era tão santo assim. Na verdade, os empresários norte-americanos estavam insatisfeitos com as regras de mercado impostas pelos militares e pediram maior liberdade política e econômica.
Acho que esta faceta do Jimmy Carter você não conhecia e por isto talvez você se surpreendeu. Eu também não o chamei de santo...
Belo texto, este sim é uma verdadeira aula. Parabéns.
Anônimo
Quem viveu a época em que Brizola viveu e conheceu sua coragem, caráter e firmeza de princípios jamais poderá esquecer a importância deste grande BRASILEIRO e a falta que ele nos faz! Brizola foi um político diferenciado porque jamais se vendeu, jamais se corrompeu, e, por isso mesmo, jamais conseguiu chegar à presidência do Brasil. Foi crucificado por suas virtudes. A Brizola, um dia, será dado o lugar que ele merece ao lado dos grandes vultos deste país!
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