Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
Dia 9 de agosto, sexta-feira. Saio da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro onde fui me encontrar com um colega jornalista. São
17h30 e o sol de inverno já está se pondo. A Praça da Cinelândia, um dos berços
da brasilidade do País, está ocupada por cerca de cem pessoas, que se espalham
pelo local.
Antes de me dirigir à estação do metrô que
fica localizada praticamente na frente da Câmara, avisto uma garota com cerca
de 18 anos. Percebo que ela ainda carrega consigo uma herança de adolescência, que
são as poucas espinhas que ainda teimam em aparecer no rosto da estudante.
Cumprimento-a com um "olá!", ao
tempo em que lhe pergunto: "Ainda não tem muita gente, né?" Ela
responde: "Não. Mas quando escurecer vão aparecer mais pessoas. É sempre
assim..." Olho para as escadarias dos portões do Legislativo carioca — o
histórico Palácio Pedro Ernesto — e percebo que elas estão ocupadas por poucos
jovens, alguns mascarados e outros, não. Estão em número de 15 pessoas, sendo que
algumas delas ficam atrás dos inúmeros faixas e cartazes, a aparecer apenas as
suas cabeças.
Olho para a minha interlocutora, e pergunto:
"Esses rapazes mascarados são os black blocs?" A moça olha para mim e
confirma a minha pergunta, ao balançar a cabeça de forma positiva. Insisto.
"Você já os viu em ação?" Ela me olha, diz que sim, e completa:
"Já os vi três vezes; enfrentam a polícia, se vestem de preto, usam
máscaras e só quebram fachadas de lojas e bancos que representam o capitalismo,
como o MacDonald's ou o Banco Itaú ou Santander”...
Despeço-me dela, e vou em direção à estação
do metrô e observo que no itinerário entre o Amarelinho, famoso bar da boêmia
carioca, e a estação do metrô está repleto de policiais militares, que estão a
se preparar para qualquer eventualidade. São muitos policiais; e eu percebo que
a noite vai ser longa e talvez violenta.
Dito e feito. A Câmara Municipal é invadida
horas depois, e a maioria dos invasores não pertence aos diferentes grupos
anarquistas, que se vestem de preto e que se autodenominam black blocs. Os
manifestantes que ocupam o plenário da Câmara pertencem ao PSOL, partido que
tem uma bancada de quatro parlamentares e que fazem oposição ao prefeito
Eduardo Paes. Os quatro políticos do PSOL são os vereadores Eliomar Coelho,
Jefferson Moura, Renato Cinco e Paulo Pinheiro.
Eliomar Coelho é o autor do pedido de
instalação da CPI dos Ônibus. Regimentalmente e legalmente os partidos, frentes
ou bancadas que comportam a maioria ocupam os principais cargos do Legislativo,
a exemplo da Presidência, da Mesa Diretora e das Comissões, sejam elas
permanentes ou temporárias. Eliomar, do PSOL, conseguiu assinaturas suficientes
para instalar a CPI, mas este fato não significa que o parlamentar vai ser o
presidente da comissão.
Essa realidade acontece em todos os
parlamentos e, portanto, a gritaria que está a acontecer não procede, porque é
regimental e o vereador Eliomar Coelho é um dos legisladores mais antigos da
Câmara do Rio e, consequentemente, sabe disso. Os parlamentares eleitos para a
presidência e a relatoria da CPI são os vereadores Chiquinho Brazão e Professor
Uóston. Eles são do PMDB e integram a base política do prefeito Eduardo Paes
(PMDB), que já deu declarações que apoia a CPI.
Nenhum governo ou maioria parlamentar vai
abrir mão de presidir ou relatar uma CPI, independente se a CPI é benéfica ou
não ao Executivo. Sabedores disso, os vereadores do PSOL, juntamente com os
militantes do partido, resolvem ganhar no grito, invadem o Legislativo, tomam
conta do plenário, e um de seus protestantes resolve defecar na mesa do
presidente da Câmara, a mostrar com a sua atitude que o seu desrespeito à
instituição e à sociedade carioca é o sinal, indiscutível, de que o PSOL e
outras forças radicais não querem negociar, dialogar e ceder para acabar com o
conflito e o impasse.
É a ditadura do PSOL, partido que se diz de
esquerda, mas que se alia, sistematicamente, à direita mais atrasada deste
País, em âmbito federal e também nos estados e municípios. O PSOL desde que foi
fundado, em 2004, combate os governos trabalhistas, e, tal qual aos comunistas
das décadas de 1930 e 1940, alia-se nos dias de hoje à direita escravocrata,
que levou, no passado, o estadista Getúlio Vargas ao suicídio, bem como também
combateu João Goulart, para depois se arrepender quando perceberam que os
militares e os empresários que golpearam a democracia em 1964 eram os
verdadeiros inimigos da Nação, pois edificaram uma ditadura das mais cruéis e
que durou longos 21 anos.
Ontem, dia 14 de agosto, a PM cercou a Câmara
para que os militantes e os vereadores do PSOL negociem com a base política da
Prefeitura na Câmara. As negociações são lentas, porque ninguém cede. Os
vereadores Chiquinho Brazão e Professor Uóston afirmaram que não vão renunciar,
porque consideram um absurdo que representantes eleitos pelo povo carioca em
uma democracia representativa e não direta, popular, em que o plebiscito e o
referendo são rotineiramente propostos aos cidadãos abandonem os seus cargos na
CPI, porque o PSOL resolveu apelar e, por conseguinte, ganhar no grito.
Os vereadores Teresa Bergher (PSDB), Leonel
Brizola Neto (PDT), Márcio Garcia (PR) e Reimont (PT) também aderiram aos
protestos e se alinharam ao pessoal do PSOL, partido de perfil autocrático e
que causa desconfiança à esquerda democrática. Por seu turno, a bancada que tem
a maioria na Câmara está neste momento negociando com o PSOL e seus
intransigentes militantes, que ontem, dia 14, jogaram ovos e outros objetos nos
servidores que vieram à Câmara para trabalhar. Se não fosse a polícia, talvez
tais funcionários fossem agredidos fisicamente, porque moralmente o foram.
Helicópteros dos órgãos de segurança e da
imprensa de mercado não param de sobrevoar o centro do Rio, que neste exato
momento do dia 15 de agosto está completamente paralisado, por causa da manifestação
e da interdição da Avenida Rio Branco, que, juntamente com a Avenida Presidente
Vargas, são os principais corredores comerciais e bancários da cidade do Rio de
Janeiro. Alguns manifestantes — a maioria vestida de preto — deitaram na rua.
O tumulto é grande e nenhum carro passa no trecho da Cinelândia.
O Batalhão de Choque cercou a área da Câmara.
O vereador Eliomar Coelho se retirou da reunião que visa achar uma saída para o
grave impasse. Ao meu entender, considero que os quatro parlamentares que foram
eleitos pela maioria para assumir os trabalhos da CPI dos Ônibus deveriam
dividir a CPI, no sentido de que dois vereadores sejam do PSOL e dois da base
do governo.
Até agora esse proposta não se concretizou
porque os militantes que ocuparam o plenário, os que estão na Praça da
Cinelândia e os vereadores do PSOL não querem, até o momento, negociar nada e
simplesmente impor suas vontades, ganhar no grito e rasgar o Regimento Interno
da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Eu sou favorável à CPI, mas não concordo,
sobretudo, com o que não é legal e antidemocrático. Sou legalista por
convicção, e considero muito perigoso — mesmo se for por uma boa causa, a
exemplo da CPI dos Ônibus — que a ordem legal seja violada, como quer fazer o
PSOL, partido useiro e vezeiro em se aliar à direita, de forma sistemática e
ordinária para combater os trabalhistas, que conquistaram o poder de maneira
democrática e a observar as leis brasileiras, que edificam o estado democrático
de direito.
Não sei como tudo isso vai acabar; mas sei
que quando a ordem legal é quebrada as consequências geralmente não são
agradáveis. Tudo tem retorno, mesmo se esse retorno se traduza em retrocesso
democrático. O País não está mal, como quer fazer crer as mídias de negócios
privados. O esquerdismo infantil leva ao radicalismo que gera despropósitos e
insensatez, enquanto os fascistas se locupletam com a confusão política e
social proporcionada por aqueles que teimam em não negociar as diferenças e os
conflitos, como acontece nas democracias maduras e historicamente viabilizadas
por seus povos.
Os vereadores, à frente Eliomar Coelho,
querem modificar o Regimento da Câmara e, consequentemente, impedir que os
vereadores que não assinaram o requerimento para a instalação da CPI fiquem
impedidos de assumir seus cargos. São 51 vereadores, e, por sua vez, para
modificar o Regimento requer maioria parlamentar.
É a democracia representativa e os vereadores
são eleitos pelo povo carioca. Está formado o impasse e observo que o PSOL é
autoritário e pode até ganhar no grito, mas a democracia perde. O movimento é
violento, e a imprensa comercial e privada deveria parar de, cinicamente, usar
o bordão "manifestação pacífica" quando a verdade é que esses
movimentos não o são. É isso aí.
8 comentários:
Davis, reproduzi seu artigo em meu blog. Gostei muito. Agradeço tê-lo remetido.
Abraços,
Hilde
Concordo que ganhar no grito não resolve. Mas o que se pode pensar de parlamentares que não apoiaram mas lideram a comissão? Qual a vontade deles de esclarecer o assunto. Deveriam ter a nobreza de ceder a liderança da CPI àqueles que a solicitaram.
O PSOL é truculento. Invadir espaços restritos, ainda que públicos, fora de horário de expediente, é tentar criar incidentes que gerem repressão e repercussão, para terem como aparecer e do que reclamar
depois, caso a polícia radicalize. A juíza que negou a reintegração errou: a 'casa do povo' só é realmente do povo se for de todos e não de grupos políticos organizados. E não é 'casa do povo' fora do expediente. Ela convalidou a invasão: qualquer dano ao patrimônio pode ser creditado a ela também. Se algum grupo organizado invadir o gabinete dela, tenho certeza que ela mudará de opinião na hora e chamará a polícia judiciária, mesmo que se trate de uma 'repartição pública'. Usar esse tipo de tática (ocupações forçadas) é baixar o nível da política. Eles querem que o Egito seja aqui, com muitos mortos, feridos e gente jogando molotov a toda hora. Usam uma dupla régua: uma para medir sua própria violência e ilegalidades e outra para medir a violência e ilegalidades alheias. O PSOL e PSTU não prestaram ainda contas das suas campanhas em 2010 em várias cidades. Em outras, como no RJ, temos doações internas de diretórios nacionais aos estaduais, dos estaduais aos municipais, sem indicar a fonte. Também temos parlamentares e empresas-laranja doando dinheiro a vários comitês. Pra quem fala de falcatrua alheia, eles deveriam abrir suas planilhas primeiro ...
Gostei muito de sua análise. Abraço
Diria o velho Brizola: "O psol é a esquerda que a direita gosta!" Pelo jeito, o neto não aprendeu nada com o avô.
Gostei também. Principalmente da parte de abrir planilhas.
Imagino as planilhas de Lula, Maluf e Haddad. Só neste abraço, rolariam cabeças. Imagina a planilha de Alckmim, Serra, Aécio, a companheira Roseana, o companheiro Zé. Sei lá, só pela capivara, dava um incêndio grande.
Mas, como bem diz o dono do blog, o povo não é bobo...
Anônimo
O cara tá na fase Daviszinho paz e amor Pois até de petistazinho foi axincalhado. Deve ter saudades do JB, onde destilava sua verve motora.
Hoje, nem traço.
Falando nisto, Henrique, professora Nair e demais:
Um blog como este do democrático Davis Sena Filho não pode dar traço de comentários.
Anônimo
Destaco:"O esquerdismo infantil leva ao radicalismo que gera despropósitos e insensatez, enquanto os fascistas se locupletam com a confusão política e social proporcionada por aqueles que teimam em não negociar as diferenças e os conflitos, como acontece nas democracias maduras e historicamente viabilizadas por seus povos."Excelente, como de hábito.
Marcos Lúcio
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