Delegada Marilda Pansonato Pinheiro: Crime organizado, Estado desorganizado. |
A Política de Segurança Pública no Estado de São Paulo beira a
falência. O botão de alerta já havia sido acionado há meses, pelo
próprio crime organizado, demonstrando claramente a desorganização e a
ineficiência do Estado em combatê-lo.
A escalada de violência poderia ter sido evitada se os agentes
públicos responsáveis admitissem, de plano, a sua existência, em vez de
menosprezar o poder de fogo da facção criminosa conhecida por PCC, que
em um mês já tirou mais de 200 vidas, 90 delas de policiais.
Em entrevistas, o secretário de Segurança Pública chegou a afirmar
que se tratava de casos isolados, oportunismos de marginais para acertar
contas. Puro ilusionismo. A sensação de insegurança e de pânico só
aumenta na população.
Relatórios de agosto da área de inteligência da Polícia Civil, da
Polícia Federal e até do Ministério Público anunciavam a tragédia, mas
os policiais, aqueles que estariam na linha de frente, foram esquecidos e
entregues à própria sorte. Tudo em nome da vaidade para admitir a
falência da política adotada. Foi a desumanidade escancarada – a perda
de dez, 20 ou 30 vidas nada representa em um Estado tão populoso…
Os delegados de polícia, que também não foram avisados, embora o
documentos relacionados ao atentados apresentados em rede nacional leve o
timbre da Polícia Civil, se solidarizam com o caos. Sentem na pele há
anos, como navalha na carne, os reflexos do enfraquecimento da Polícia
Civil, que é a polícia investigativa, judiciária, do tirocínio.
Crime se combate com inteligência, não com truculência ou com
redobrada violência. Hoje, cerca de 90% dos crimes não são investigados
por falta de recursos materiais e humanos, por falta de investimento e
de claro protecionismo. O desestímulo na carreira é crônico.
Os delegados, dirigentes da Polícia Civil, amargam uns dos piores
salários do país, com precárias condições de trabalho e com um
agravamento do cenário que está por vir: 20 dos 200 novos delegados em
treinamento na Academia de Polícia já pediram exoneração, enquanto
muitos aguardam resultados de concursos em outras carreiras jurídicas.
Preparamos profissionais para outras carreiras ou para outros Estados… A
história se repete a cada concurso…
Por isso, o pior inimigo do Estado é o próprio Estado, que resiste em
mudar sua abordagem no combate ao crime e elaborar políticas públicas
eficientes. Nesta atual onda de violência, incentivar o confronto não é o
caminho. Até porque, na guerra entre o PCC e o Estado, o cidadão
torna-se refém, assistindo impotente o seu direito de ir e vir tolhido
pelos chamados toques de recolher ou pela guerra armada a céu aberto,
que ceifa vidas inocentes.
Mas para o Estado a situação está sob controle enquanto morrem dez
por noite. Colocar mais policiais na rua e intensificar abordagens
poderá ajudar a combater a consequência, mas não a causa, que exige
profissionalismo, conhecimento técnico e comprometimento que passam
longe do partidarismo, da negação e do protecionismo institucional.
Já é hora de uma reforma nesta política de pouca estratégia. A
sociedade deve exigir que se faça cumprir as leis e se preserve o Estado
democrático de Direito, onde o respeito à vida e a dignidade da pessoa
humana prevaleça sobre os mandos, desmandos e interesses do
“responsáveis pela segurança” de plantão.
Marilda Pansonato Pinheiro, 57, é presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP)
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