ESPAÇO BICO DE PENA
O operário levantou-se
às quatro e meia
O dia estava escuro, em
lua cheia
Tomou um copo de café
muito ralo
Saiu, pegou o trem de
sobressalto
Cochilou. Desceu na
última parada
Filou um cigarro de
algum camarada
Acendeu-o, deu um trago
profundo
Dirigiu-se ao trabalho
um tanto confuso
Pegou na marreta,
destroçou a calçada
Pegou na picareta,
feriu a sua alma
A terra era ardilosa, o
buraco úmido
Um nó o sufocava, o chão era duro
Labutou, labutou, até
sangrar as mãos
Até o seu corpo não
sentir o coração
Até os seus músculos
se tornarem flácidos
Até os seus olhos se
esbugalharem de cansaço
Chegou meio-dia, a fome
o convenceu
Abriu a marmita
explorada pelos fariseus
A comida requentada
tinha gosto de zinco
O gosto da marmita, o
gosto do escravismo
A noite foi chegando, o
dia calou
O operário deprimido
chorou... chorou...
O desgosto da vida
refletia em seu rosto
Até a sua alma fugiu
do seu corpo
Depois, solitário,
murmurou a sua desgraça
Foi ao boteco, encheu a
cara de cachaça
Logo houve uma tremenda
confusão
O operário endiabrado
com um punhal na mão
Furou um, furou dois,
quebrou o boteco...
Eram gritos de
torturas, do inferno, do inferno
Chegou a polícia,
espancou o operário
Era a sociedade
formando mais um espantalho
O operário dominado,
enjaulado no camburão
A sociedade gritando:
canalha!... ladrão!...
O operário indagando:
meu Deus, por quê?
A sociedade injusta: tu
fizestes por merecer...
O operário pobre,
explorado, sem defesa
Não tinha culpa, era
mais uma presa...
Era o substrato da
desumana humanidade
Vítima do fel cruel da
sociedade.
2 comentários:
O pior de tudo é que esta história acontece...a tal da gota d'água. Para tudo há limite e, quando se é super explorado, pode haver uma explosão com esta tão bem e poeticamente relatada:com realismo.
Parabéns pelo recado bem dadíssimo.
Abraço
O correto seria: uma explosão como esta.
Desculpe o erro de digitação e abraço.
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