Kadafi foi assassinado; a ONU se calou; e imperialistas sugam o petróleo líbio |
Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
(Artigo
originalmente publicado no "Jornal do Brasil")
“A questão líbia não é
o seu presidente ser ditador. Os países europeus colonizadores e os EUA são
aliados de muitos ditadores no mundo. Inclusive apoiaram e financiaram
ditadores no Brasil, na América do Sul e Latina. O motivo da invasão também não
é humanitário e muito menos em prol da democracia. A razão da invasão militar
contra o povo líbio é econômica: gás, petróleo e pirataria”.
Estou a ver o Jornal Nacional da
TV Globo. A matéria, de quase cinco minutos, é sobre a Líbia e seu presidente,
Muammar Kadafi. Assistir ao JN é a mesma coisa que assistir ao principal jornal
da CNN ou da Fox News, ou seja, ter o direito de ouvir e ver matérias
totalmente parciais e dedicadas ao establishment internacional ocidental, no
que é relativo à defesa dos interesses geopolíticos e de controle das riquezas
de países que não são alinhados aos Estados Unidos e à União Européia.
William Bonner e Fátima Bernardes
representam bem. Realmente se esforçam para cumprir os compromissos. As
palavras que saem de suas bocas crispadas são assertivas e seus olhares são
duros tanto quanto as ordens de seu chefe, Ali Kamel, “mentor” ideológico da
grande imprensa televisiva nativa e cumpridor de suas obrigações quando se
trata de defender os interesses econômicos, financeiros, publicitários e políticos
da família Marinho, proprietária de um dos maiores grupos midiáticos do mundo e
compromissada até a alma com os interesses do capitalismo mundial — a famosa
plutocracia.
Bonner e Bernardes fazem sua
parte: a de empregados bem-remunerados que estão ali para dar o recado a quem
quer que seja, tanto para o governo brasileiro, bem como àqueles que, de
maneira programática, discordam da construção de um Brasil que os magnatas proprietários
de mídias cruzadas (rádio, televisão, imprensa impressa, internet e até mesmo o
setor fonográfico) querem para eles e para os segmentos sociais e econômicos
que eles representam — os ricos e os muito ricos.
Os dois editores-chefes do Jornal
Nacional — o nome do diário televisivo não advém do sentimento nacionalista dos
Marinho e de seus editores e, sim, porque o extinto Banco Nacional era o
principal patrocinador do jornal — só chamam o Kadafi de ditador e dão a
entender que a aliança ocidental contra a Líbia é para salvar os líbios de
décadas de feroz ditadura, sem, no entanto, explicar o que tem por trás dos
interesses de países tão democráticos e civilizados, que, mesmo a ser assim,
despejam milhares de bombas nas cidades líbias, sem se preocupar, na verdade,
se haverão mortos e feridos.
Nos cinco minutos de notícias que
ouço e vejo sobre os bombardeios e as “boas” intenções da França (país que
lidera a agressão à Líbia), Inglaterra, Itália e Espanha, com o apoio
irrestrito dos EUA e de Israel, William Bonner e Fátima Bernardes se revezam na
ladainha que distorce os fatos e tenta manipular a consciência de quem os
assiste. Contudo, é necessário satanizar o presidente líbio, que está há 30
anos no poder e se veste, para os padrões ocidentais, de forma excêntrica.
A imprensa comercial e privada somente “esquece”
que os EUA e seus asseclas, que são os países europeus que controlam a União
Européia, são aliados e cúmplices de ditaduras monárquicas terríveis e
inenarráveis tais quais as da Arábia Saudita, do Kwait, do Qatar, dos Emirados
Árabes Unidos, além da Jordânia, países que fazem parte da invasão
multinacional à Líbia, com o apoio da ONU e da OTAN, órgãos de supremacia e de
espoliação internacional controlados por apenas quinze países, sendo que cinco
estão a não permitir que outros países façam parte do Conselho de Segurança da
ONU.
A Arábia Saudita, por exemplo,
invadiu o Bahrein, quando a população daquela ilha saiu às ruas para protestar
contra o monarca que governa aquele arquipélago desde 1971. A monarquia
saudita, de forma preventiva, resolveu reprimir os protestos antes que eles se
alastrassem para o maior exportador de petróleo do mundo, que é a Arábia
Saudita. Enquanto isso, o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, o Irã e a Coréia do
Norte são, hipocritamente, considerados regimes políticos do mal. E para isso a
cooperação da imprensa comercial e privada é primordial.
Eu até entendo o papel dessa
imprensa venal. Afinal eu a conheço e por isso sei do que se trata. Todavia,
não consigo compreender como uma classe média, média alta (exemplifico a
brasileira) entra nessa e repete as mesmas coisas que ouviu ou leu por meio de
revistas como a Época, a Veja, além dos jornais televisivos de canais abertos e
fechados, bem como de impressos conservadores e direitistas de alto escalão
econômico de O Globo, Folha de S. Paulo, Estadão, Zero Hora e Correio
Braziliense, somente para ficar nos cinco maiores do País.
Acho realmente incrível como
tanta gente, de origem universitária e profissional competente embarca nessa
trapaça. Porque informação parcial, manipulada e distorcida e até mentirosa é a
mais pura e real trapaça. É o antijornalismo, porque somente um lado tem voz
enquanto o outro é totalmente censurado pela imprensa, que luta contra o marco regulatório
do setor, mas que defende, com unhas e dentes a liberdade de imprensa e de
expressão — só que somente para a voz da imprensa, é claro. Os caras da grande
imprensa privada confundem — não sei se é de propósito — liberdade de expressão
com liberdade de imprimir. Liberdade de imprimir é apenas um direito industrial
e empresarial. É realmente ridículo e lamentável.
Voltemos à Líbia. Esses países
monárquicos têm as sociedades mais rígidas do mundo, porque as populações
regidas pelos monarcas não tem seus direitos civis garantidos, bem como as
mulheres vivem em uma situação de total subordinação social no que é relativo
aos direitos de ir e vir, de poder trabalhar, de mostrar o rosto, de votar e
até mesmo de dirigir um simples automóvel. São ditaduras aliadas,
historicamente, aos europeus ricos e aos EUA. Seus dirigentes políticos
freqüentam o pico da pirâmide social mundial e também suas festas no high
society. São supercapitalistas, que controlam as bolsas de valores (a jogatina)
em âmbito mundial.
Fátima Bernardes e William Bonner
não são os únicos a satanizar líderes de países invadidos por potências
ocidentais que querem ter acesso às energias como os vampiros querem ter acesso
ao sangue humano. Quem tem o controle das diferentes fontes de energia e dos
meios de comunicação e informação têm muito poder e é dessa forma que se dão as
cartas para controlar as riquezas do planeta. Acontece que o apoio das
comunidades, das sociedades em âmbito planetário é essencial para que o
processo de pirataria e rapinagem seja efetivado, concretizado, e,
conseqüentemente, os governantes dos países ricos ocidentais possam conseguir
manter o alto padrão de vida do mundo ocidental branco, à custa de humilhação e
da miséria de povos que milenarmente lutam por autodeterminação e
independência.
A verdade nua e crua — é
importante ressaltar: a invasão à Líbia teve como desculpa a defesa dos
direitos humanos. Depois do 11 de setembro, os EUA e seus cúmplices (Israel,
Inglaterra, França do direitista Sarkozy, Espanha, Itália, Alemanha e Japão, os
dois últimos países ocupados pelos EUA desde 1945) passaram a realizar, a seu
bel-prazeres, invasões preventivas e assim passaram a bombardear países que não
são alinhados aos ocidentais belicosos e potencialmente inimigos de mandatários
que não são associados aos interesses ocidentais. Muammar Kadafi é um ditador, e
parcela da população quer sua saída. Contudo, a questão discutida nesta tribuna
é que os países invasores ocidentais nunca tiveram essa preocupação, apenas usam
esse subterfúgio para, enfim, colocar suas mãos nas riquezas líbias, sem ter
resistências governamentais como o fazia o presidente líbio.
Desde 2001, os EUA, juntamente
com a Inglaterra e Israel, países que são praticamente entes da federação
norte-americana, efetivaram um processo draconiano em todo o planeta no que
tange à segurança. Para poder invadir, matar e pilhar, os EUA e seus federados
utilizam a desculpa esfarrapada “da defesa dos direitos humanos”, atitude essa
que eles não seguem e não obedecem. Os estadunidenses violaram direitos humanos
básicos. Invalidaram o habeas corpus, sequestraram pessoas, as prenderam
sem acusação formal, torturam e seu governo, na pessoa de George Walker Bush,
defendeu essas ações e condutas em público.
Bush e seus falcões (aves de
rapinas) afirmaram, sem ao menos ficar com os rostos vermelhos, que a tortura
acontecida, por exemplo, nas masmorras de Guantânamo e Albugray era legítima,
portanto necessária. Eles rasgaram todas as leis internacionais de direitos
humanos e deram uma banana para a humanidade, que lutou séculos e séculos para
conquistar esses avanços sociais e do direito à vida. Isto tudo, como não
poderia deixar de ser, com a cumplicidade e a subserviência da grande imprensa
comercial e privada, que, inclusive, autocensurou-se, como o fizeram a Fox News
e a CNN, somente para exemplificar estas.
O País, um dos precursores da
democracia e dos direitos humanos passou a defender a barbárie por meio dos
fundamentalistas cristãos e do mercado, que são os pais da formulação e da
efetivação do neoliberalismo no mundo, por intermédio do Consenso de Washington
de 1989. O neoliberalismo fracassou pois derreteu, como sorvete em asfalto
quente. Mas a geopolítica dos europeus e dos yankees continuou com o
neoliberalismo bélico e por causa desse tenebroso processo a Líbia é no momento
a bola da vez.
Ao contrário do que apregoa a
imprensa privada, a Líbia, em termos africanos, tem Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) elevado. Em 2010, seu IDH era 0,755. Por sua vez, 84% da população
é alfabetizada. A esperança de vida é alta, pois os líbios vivem em média 74
anos. O Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 era de US$ 62,4 bilhões. Além do
mais, o PIB per capita era de US$ 9.750. O governo líbio promoveu ainda uma
reforma agrária que deu dez hectares, trator e implementos agrícolas a cada
família. Como se observa, a Grande República Socialista Popular Árabe da Líbia,
como o nome explicita, é país socialista. Esta é a questão. O Iraque, de Saddan
Hussen, também tinha uma realidade política e ideológica parecida com a da
Líbia. Saddan, inclusive, era aliado dos EUA e do ocidente, quando,
equivocadamente, entrou em guerra com o seu vizinho Irã. Mas esta é outra história,
também manipulada pela grande imprensa e pelos governos colonialistas
ocidentais.
A Líbia é, por enquanto, um país
socialista, com característica política e cultural árabe. Com quase sete
milhões de habitantes, esse país do norte da África é a maior potência
petrolífera do continente africano. O país de Kadafi supera a Argélia e a
Nigéria e tem, em seu solo, 46,5 bilhões de barris. São reservas,
indelevelmente, comprovadas. É muita riqueza. O Egito, que é considerado um
país muçulmano moderado e visto como uma potência africana e obediente aos EUA
tem reservas dez vezes menores do que as da Líbia. Com esses números e com
essas realidades, caro leitor, torna-se possível compreender a invasão da Líbia
pelos bárbaros da Europa, com a aquiescência e cumplicidade dos bárbaros do
norte das Américas. Nada é à toa, apesar da imprensa e de seus editores-chefes
e dos barões, que dão ordens a eles.
O motivo verdadeiro da invasão é
este: o presidente Muammar Kadafi avisou às petroleiras internacionais (francesas,
italianas, inglesas, alemãs e estadunidenses) que a moleza iria acabar, e que
resolveu negociar novos contratos com os Brics (Brasil, Rússia, índia e China.
A África do Sul vai ser país membro, mas ainda não assinou o protocolo de
ingresso). Negociar com os Brics todo mundo quer, até os ricos, porque é a nova
potência emergente em escala mundial, além de serem países que não estão a
sofrer com a crise mundial. Pelo contrário, esses países têm mercados internos
poderosíssimos, que, inclusive, foram responsáveis por inclusão social de seus
povos, bem como importadores de produtos dos países ricos ocidentais, que
puderam, por causa disso, amenizar suas perdas e prejuízos. Só os
“especialistas” de prateleira da Globo News e do Instituto Millenium não perceberam
essa insofismável realidade, de propósito e má-fé, evidentemente. Por isso que
o presidente Lula foi à televisão e mandou o povo brasileiro comprar. E parte
da imprensa, sempre irresponsável e ideológica, o criticou, ainda mais quando o
presidente trabalhista disse que a crise no Brasil seria uma marolinha. E foi.
A invasão do país de Kadafi não tem princípios
humanitários como quer fazer crer a imprensa comercial e privada, com o
objetivo de “validar” e “legalizar” o massacre do povo Líbio pelas forças
estrangeiras imperialistas, que apóiam grupos líbios armados que são chamados
pelos jornalistas ocidentais comprometidos com o establishment de rebeldes,
quando na verdade são traidores do país onde nasceram. Nunca vi rebeldes a ter
canhões, tanques e mísseis de longo alcance. Nunquinha. Só faltava ter aviões.
Aí seria demais. Imagina. Como os nossos Bonner e Bernardes iriam explicar aos
incautos tanta desfaçatez e manipulação das mídias para “legalizar” a invasão
militar a um país que era o mais desenvolvido da África, juntamente com a
África do Sul. Nem o avião tucano do Jornal Nacional conseguira convencer o
público, aquele que ainda crê nesse tipo de jornalismo.
O povo da Líbia tinha acesso ao ensino público, à
saúde e à casa própria de forma gratuita. Os recém-casados recebiam ajuda
pecuniária do governo, além de uma casa para morar. Quando o mundo ocidental o
chama de ditador, na verdade esse mundo é cúmplice de dezenas e dezenas de
ditadores, que são considerados, de acordo com os interesses de momento, do
“bem” ou do “mal”. Os EUA fomentaram um golpe militar no Brasil, e muitos
brasileiros apoiaram a derrubada de João Goulart, um presidente constitucional,
pois eleito pelo povo. Se o Brasil, por intermédio do Itamaraty, apoiasse a
resolução 1.973 da ONU que permite a invasão da Líbia, como depois os governos
brasileiros iriam ter moral se, por exemplo, os países colonialistas piratas
resolvessem abocanhar o pré-sal? Não faça aos outros o que não gostaria que
fizessem contigo. Não é isso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário