A controversa carreira de Gilmar Mendes
30/04/2013
Para ajudar os leitores, preparamos perguntas e respostas sobre o complicado ministro do Supremo.
E eis que o ministro Gilmar Mendes está metido em mais uma
controvérsia. Para ajudar os leitores do Diário a se situar, montamos um
grupo de perguntas e respostas sobre Gilmar.
Quem indicou Gilmar Mendes para o STF?
Fernando Henrique Cardoso.
Como a indicação de Gilmar Mendes para o STF foi recebida por juristas ilibados?
Em 8 de maio de 2002, a Folha de S.Paulo publicou um artigo do
professor Dalmo Dallari, a propósito da indicação de Gilmar Mendes para
o Supremo Tribunal Federal, sob o título de “Degradação do Judiciário”.
Qual era o ponto de Dallari?
“Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado”, afirmou Dallari,
“não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção
dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade
constitucional.”
Por quê?
Gilmar, segundo Dallari, especializou-se em “inventar” soluções
jurídicas no interesse do governo. “Ele foi assessor muito próximo do
ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao
direito”, escreveu Dallari. “No governo Fernando Henrique, o mesmo
Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece
assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a
demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas
vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de
base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto
em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral
da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos
da administração que não cumprissem decisões judiciais.”
Como Gilmar, no cargo de advogado geral da União, definiu o Judiciário brasileiro depois de suas derrotas judiciais?
Ele fez uma afirmação textual segundo a qual o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Como os juízes responderam a isso?
Em artigo publicado no Informe, veículo de divulgação do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, um juiz observou que “não são
decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade
do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do
Poder Executivo”.
Havia alguma questão ética contra Gilmar quando FHC o indicou?
Sim. Em abril de 2002, a revista Época informou que a chefia
da Advocacia Geral da União, isto é, Gilmar, pagara R$32.400,00 ao
Instituto Brasiliense de Direito Público – do qual o mesmo Gilmar é um
dos proprietários – para que seus subordinados lá fizessem cursos.
O que Dallari disse desse caso?
“Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito
longe de se enquadrar na ‘reputação ilibada’, exigida pelo artigo 101
da Constituição, para que alguém integre o Supremo”, afirmou Dallari.
Em outros países a indicação de juízes para o STF é mais rigorosa?
Sim. Nos Estados Unidos, por exemplo, um grande jurista conservador,
Robert Bork, indicado por Reagan, em 1987, foi rejeitado (58 votos a
42), depois de ampla discussão pública.
Como o Senado norte-americano tratou Bork?
Defensor declarado dos trustes, Bork foi arrasado pelo senador Edward
Kennedy. “A América de Bork” – disse Kennedy – “será aquela em que a
polícia arrombará as portas dos cidadãos à meia-noite, os escritores e
artistas serão censurados, os negros atendidos em balcões separados e a
teoria da evolução proscrita das escolas”. O caso foi tão emblemático que to bork passou a ser verbo.
Mais tarde, em outubro de 1991, o juiz Clarence Thomas por pouco não foi
rejeitado, por sua conduta pessoal. Aos 43 anos, ele foi acusado de
assédio sexual, mas os senadores, embora com pequena margem a favor (52
votos a 48), o aprovaram, sob o argumento de que seu comportamento não o
impedia de julgar com equidade. Na forte campanha contra sua indicação,
as associações femininas se destacaram. E o verbo “borquear” foi usado
por Florynce Kennedy, com a sua palavra de ordem “We’re going to bork
him”.
Já no Supremo, Gilmar continuou a agir contra os interesses dos índios, como fizera antes?
Sim. Em 2009, o governo cedeu aos guaranis caiowás a terra que eles
ocupavam então. Em 2010, o STF, então presidido por Gilmar Mendes,
suspendeu o ato do governo, em favor de quatro fazendas que reivindicam a
terra.
A mídia tem cumprido seu papel de investigar Gilmar?
Não, com exceção da CartaCapital. Na edição de 8 de outubro de
2008, a revista revelou a ligação societária entre o então presidente
do Supremo Tribunal Federal e o Instituto Brasiliense de Direito Público
(IDP).
O que é o IDP?
É uma escola de cursinhos de Direito cujo prédio foi construído com
dinheiro do Banco do Brasil sobre um terreno, localizado em área nobre
de Brasília, praticamente doado (80% de desconto) a Mendes pelo
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.
O que a CartaCapital revelou sobre o IDP?
O autor da reportagem, Leandro Fortes, revelou que o IDP, à época da
matéria, fechara R$2,4 milhões em contratos sem licitação com órgãos
federais, tribunais e entidades da magistratura, “volume de dinheiro que
havia sido sensivelmente turbinado depois da ida de Mendes para o STF,
por indicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso”.
Quem dava aulas no IDP, segundo a CartaCapital?
O corpo docente do IDP era formado, basicamente, por ministros de
Estado e de tribunais superiores, desembargadores e advogados com
interesses diretos em processos no Supremo. “Isso, por si só, já era
passível de uma investigação jornalística decente”, escreveu em seu blog
o autor da reportagem. “O que, aliás, foi feito pela CartaCapital quando toda a imprensa restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em questão.”
O jornalista deu algum exemplo?
Sim. Na época da Operação Satiagraha, dois habeas corpus foram
concedidos por Mendes ao banqueiro Daniel Dantas, em menos de 48 horas.
Em seguida, conforme Leandro Fortes, “a mídia encampou a farsa do grampo
sem áudio, publicado pela revista Veja, que serviu para afastar
da Agência Brasileira de Inteligência o delegado Paulo Lacerda, com o
auxílio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia
sobre existência de equipamentos secretos de escuta telefônica que
teriam sido adquiridos pela Abin”.
Como Gilmar reagiu às denúncias?
A CartaCapital e o repórter, por revelarem as atividades
comerciais paralelas de Gilmar Mendes, acabaram processados pelo
ministro. Mendes acusou a reportagem de lhe “denegrir a imagem” e
“macular sua credibilidade”. Alegou, ainda, que a leitura da reportagem
atacava não somente a ele, mas serviria, ainda, para “desestimular
alunos e entidades que buscam seu ensino”.
Como a justiça se manifestou sobre o processo?
Em 26 de novembro de 2010, a juíza Adriana Sachsida Garcia, do
Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a ação de Gilmar
Mendes e extinguiu o processo.
O que ela disse?
“As informações divulgadas são verídicas, de notório interesse
público e escritas com estrito animus narrandi. A matéria publicada
apenas suscita o debate sob o enfoque da ética, em relação à situação
narrada pelo jornalista. [...] A população tem o direito de ser
informada de forma completa e correta. [...] A documentação trazida com a
defesa revela que a situação exposta é verídica; o que, aliás, não foi
negado pelo autor.”
É verdade que Ayres Brito, que prefaciou o livro de Merval Pereira sobre o “mensalão”, proferiu aula magna no IDP?
Sim.
Procede a informação de que, em pleno “mensalão”, Gilmar foi ao
lançamento de um livro de Reinaldo Azevedo em que os réus eram tratados
como “petralhas”?
Sim.
E agora, como entender a crise entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso?
Nas palavras do colunista Janio de Freitas, esta crise “não está
longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos
e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino
que está a “crise”, na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza
um efeito enorme na grande arquibancada chamada País”.
É verdade que o Congresso aprovou um projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo?
Não. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, como explicou
Janio de Freitas, nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a
apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. “A CCJ apenas
examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto,
ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente
levado a plenário”, explicou Jânio. “A CCJ considerou que sim. E nenhum
outro passo o projeto deu.”
E qual foi a atitude de Gilmar neste caso?
Ele afirmou que os parlamentares “rasgaram a Constituição”. Isso só é
equiparável, segundo Janio, à afirmação de Gilmar de que “o Brasil
estava sob ‘estado policial’, quando, no governo Lula, o mesmo ministro
denunciou a existência de gravação de seu telefone, jamais exibida ou
comprovada pelo próprio ou pela investigação policial”.
Um comentário:
Será que é preciso tão pouco para ser um ‘togado’ do STF?
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