Barack Hussein Obama II, advogado de 47 anos,
senador da República e recém-eleito presidente dos Estados Unidos da América —
a Nação mais rica do mundo e a maior potência militar da história da
humanidade. Esta apresentação poderia ser para qualquer homem eleito presidente
nos Estados Unidos, se não fosse uma realidade, que até pouco tempo jamais
pensaríamos que fosse acontecer: Barack Obama é um homem negro, em um país que
há um pouco mais de 30 anos era, irremediavelmente, dividido entre raças, de
forma institucional e rotineira, o que fazia da nação mais poderosa do mundo um
lugar de desassossego, violência e vergonha moral e espiritual.
Lembro-me quando pequeno, na década de 1960, e adolescente e jovem, nas décadas
de 1970 e 1980, que os Estados Unidos, extra-oficial e oficialmente,
experimentava uma grande convulsão social, no que concerne ao direitos civis
para a população negra daquela terra. Descendentes de escravos, os negros não
tinham acesso, de forma plena, aos serviços públicos e ao direito de, por
exemplo, estudar. Seus empregos eram os piores, os mais perigosos e mal pagos.
O absurdo era tanto que, em plena década de 1970 e início da de 1980, os
estados sulistas e outros, não tanto ao sul daquele país, não permitiam que os
negros entrassem em certos restaurantes, não usassem o elevador social, fossem
proibidos de sentar em bancos dianteiros dos veículos coletivos ou simplesmente
não pudessem usar o mesmo banheiro, destinado aos brancos. Era concretamente um
país dividido, que, por razões econômicas, políticas e raciais foi testemunha
do assassinato de duas das maiores lideranças negras até hoje existentes nos
Estados Unidos, personificadas no líder dos direitos civis, Martin Luther King,
e do revolucionário Malcolm X, que, radical, pregava a luta armada e, com o
tempo, passou a propor o diálogo e a negociação para resolver os problemas e as
condições que a comunidade negra norte-americana queria discutir e modificar.
A vitória de Barack Obama é emblemática, por ele ser multirracial. Seu pai, negro,
do Quênia, sua mãe, branca, do estado do Kansas, deram-lhe a possibilidade de o
presidente eleito conhecer as contradições, os conflitos e os diferentes
pensamentos no que é relativo à realidade estadunidense e às diferentes etnias
que compõem o tecido social dos Estados Unidos.
Obama, além de ser fruto de uma relação inter-racial, é filho de pais de forte
formação universitária. Sua mãe, An Dunham, antropóloga, seu pai, Barak Obama
Senior, economista, fez com que ele, desde cedo, convivesse com o mundo
acadêmico. Seus pais se separaram após dois anos de convivência e sua mãe,
posteriormente, casou-se com Lolo Soetoro, indonésio que ajudou a criar o 44º
presidente dos Estados Unidos.
Nascido em Honolulu, no Havaí, Barack Obama morou também na Indonésia, em
Jacarta. Como se vê, o presidente eleito é realmente multirracial e
multicultural e por isso há uma enorme esperança de esse homem ter uma maior
compreensão em relação às diferenças entre as raças e principalmente entre as
culturas, entre as nações, porque, na realidade, raça não existe. O que existe,
e apenas isso, é a espécie humana. Obama traz, por enquanto, a esperança de
diálogo, democracia e compreensão para que os países resolvam suas contradições
e até mesmo suas rivalidades. Não é um político comum, por causa de suas
origens, bem como de sua plataforma política.
O mundo está cansado de ficar preso, amarrado a interesses que não convêm ao
desenvolvimento socioeconômico dos povos. O mundo teve de enfrentar, nesses
últimos oito anos, o unilateralismo do Governo Bush, que não atuou
conjuntamente com a comunidade internacional, no sentido do propiciar o
entendimento entre as nações e dialogar e negociar as diferenças entre os
governos. Bush não atendeu as resoluções da ONU e iniciou guerras, invadiu o
Iraque e o Afeganistão.
Além disso, o presidente republicano se recusou a assinar o Tratado de Kioto,
que visa implementar e implantar ações e leis internacionais que permitam a
defesa das riquezas naturais, tão caras à humanidade e à vida no planeta, como
as florestas e as águas. Os diferentes biomas têm sofrido com a falta de
proteção e são destruídos, em progressão geométrica, por causa do aquecimento
global e do enorme índice de poluição, cujo maior poluidor da terra são os
Estados Unidos, que, no decorrer da administração Bush, recusou-se a assinar
tal tratado.
Também houve outra questão muito grave, no que é relativo aos direitos humanos.
Depois do atentado do dia 11 de setembro, quando o World Trade Center foi
demolido por ataques sem precedentes, os Estados Unidos rasgaram todos pactos
que tratam da condição humana e seus direitos, mesmo em época de guerra. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada após o fim da II Guerra
Mundial, em 1945, foi rasgada pelo presidente estadunidense e seus principais
assessores, denominados de falcões, aves consideradas de rapina. Nada é mais
real, e simbólico.
Milhares de pessoas foram presas sem provas e sem acusações formalizadas.
Cadeias existentes e construídas em todo planeta passaram a ser as sucursais do
inferno. A ONU e grupos de direitos humanos existentes em todo planeta passaram
a denunciar a existência de prisões clandestinas, onde a tortura e o
assassinato são a rotina do dia-a-dia. O Governo Bush rasgou os mandamentos da
civilização e a humanidade experimentou um retrocesso jamais observado após a
II Guerra Mundial. Nada que surpreendesse a comunidade internacional, quando os
fundamentalistas do mercado estão no poder e tem como fundamento o lucro e não
a ética e a conduta humanitária.
Barack Hussein Obama representa, por ora, até porque ele ainda não governou, a
esperança de um mundo que privilegie o diálogo e aprenda a negociar os
interesses e a respeitar as diferenças econômicas e culturais de cada nação, de
cada país. O capitalismo é o sistema hegemônico, mas tem de ser regulamentado,
domado e fiscalizado, porque poderá acontecer novamente a degeneração do
sistema de mercados, como ocorreu e ocorre recentemente nos Estados Unidos e na
Europa. A irresponsabilidade daquele que tem responsabilidade com o capital tem
de ser punida exemplarmente, porque a vida das pessoas são únicas e por isso
não podem ficar à mercê de governantes belicosos e irresponsáveis, que têm a
cumplicidade da mídia e de todos aqueles que aceitam receber restos, por não
serem politizados, humanistas e apoiam, mesmo quando omissos, esse jogo sujo e
sórdido para se locupletar.
A vitória de Barack Obama é a vitória de todos os povos que formam o povo
estadunidense. A vitória não é somente dos negros, até porque eles são apenas
treze por cento da população. Portanto, chega-se a conclusão que Obama teve uma
proporção muito maior dos votos da população branca do que da população negra.
Como também teve maioria na população hispânica. O multirracial Obama
representa a vitória do multilateralismo e não do unilateralismo entre os
países e, conseqüentemente, entre as pessoas.
A eleição de Obama representa a derrota do neoliberalismo (econômico), sistema
de expoliação lançado pelo Consenso de Washington em 1989 e que quase levou à
falência os países da América Latina, da Ásia e da África. O neoliberalismo, de
Margareth Tatcher e de Ronald Reagan, defendido pelos jornalistas de economia e
pelos barões da grande imprensa tupiniquim, bem como pelas elites acadêmicas e
econômicas, e posto em prática por governantes da estirpe de Fernando Henrique
Cardoso, Carlos Salinas de Gortari, Alberto Fujimori e Carlos Menem, foi
dissolvido, como não deixa dúvidas a atual crise mundial.
Todos esses mandatários foram punidos, de uma forma ou outra, com exceção do
brasileiro Fernando Henrique Cardoso, que privatizou empresas estatais da
grandeza da Vale do Rio Doce e do Sistema Telebrás e até hoje não responde por
esse questionado processo de privatização, que, conforme técnicos do Governo e
das empresas privatizadas, foram vendidas a preços bem abaixo do mercado e hoje
não exercem papel social, porque os preços das tarifas são altíssimos, as
empresas não investem no interior do Brasil, notadamente no Norte e no Nordeste
e as remessas de lucros para o exterior chegam a ser indecentes, pois toda
dinheirama, fruto do trabalho de brasileiros de diferentes gerações, vai direto
para os bolsos dos novos proprietários da telefonia brasileira em vez de ser
investida no desenvolvimeto social do povo do Brasil. Quando estatais de grande
porte são alienadas, a capacidade de investimento de qualquer País é diminuída.
O que se provou, e este fato é irremediavelmente verdadeiro, é que quando a
iniciativa privada é gerida com irresponsabilidade quem tem de intervir e
salvar o sistema capitalista da bancarrota é o velho e bom Estado. Com isso,
todas teses neoliberais, exaustivamente expostas e defendidas pela imprensa
burguesa e seus doutores economistas de plantão por quase 30 anos, foram por
água abaixo, o que fez com que muitos desses yuppies arrogantes ficassem com
cara de palerma e de pateta na televisão, nas salas das universidades, nos
partidos políticos de direita e em fóruns empresariais tradicionais. O
neoliberalismo foi um gigante com pés de barro. Estado mínimo é conversa fiada
de neoliberal, que tem o propósito de combater e desvalorizar os estados
nacionais a fim de sempre obter mais e maiores lucros e manter o status quo das
pessoas que habitam o pico da pirâmide social intacto.
O fim da era Bush e a ascensão de Barack Obama representam a busca de um novo
modelo econômico para o capitalismo, bem como mudanças nas relações entre os
países e até mesmo entre as pessoas. O neoliberalismo, como sistema de
expoliação e de exploração mercantilista, tornou-se trágico para a humanidade,
que entrou em um processo de violência e decadência moral, no que concerne à
procura, incessante, da satisfação dos desejos de consumo, da obsessão pelo
acúmulo de riquezas, pela desvalorização de valores pétreos, representados pelo
estudo, pelo trabalho e pelo respeito à lei. As sociedades nesses anos se
tornaram mais injustas, menos igualitárias e a democracia passou a ser algo
como um sonho de consumo em vez de ser um modo real de viver.
A democracia representativa ocidental ainda não conseguiu resolver problemas
como as guerras, assim como distribuir riqueza e renda, além de, por incrível
que pareça, eliminar a fome em suas sociedades. Acredito que a democracia tem
de ser popular, ou seja, que as decisões sobre determinado assunto sejam
tomadas diretamente pelos povos junto a seus governos. A democracia
representativa é indireta, enquanto a popular é direta. A maioria dos países
ocidentais têm como sistema político-eleitoral a democracia representativa, que
não resolveu e não resolve problemas básicos como a fome e a miséria, porque
ela não é real e sim ornamental, conquanto controlada pelas oligarquias urbanas
e rurais.
A América Latina tem experimentado mudanças de ares. Em vários países os
governos têm, rotineiramente, consultado suas populações no que é relativo a um
sem-número de assuntos, por intermédio de propostas que são votadas em
referendos. Na democracia popular, as pessoas, os cidadãos são ouvidos e
decidem sobre seus interesses. A democracia representativa é uma fraude, porque
propicia exclusão econômica e social dos povos que vivem sob esse regime
político. Esse tipo de democracia acontece em países importantes como o Brasil
e os Estados Unidos. O primeiro é uma pontência regional e o segundo, potência
mundial.
Nos Estados Unidos, a democracia é indireta. O povo vota, mas quem decide são
os delegados eleitos, que formam um colégio eleitoral, para, por exemplo,
escolher o presidente da república. Eleições democráticas mais indiretas que
essas no mundo ocidental é impossível, mesmo assim a imprensa burguesa,
especificamente a brasileira, de forma servil e aduladora, canta loas e boas à
democracia estadunidense, que é eleitoralmente menos ampla do que a brasileira
que, apesar de representativa e não popular, sem sombra de dúvida, é mais
democrática e, por conseguinte, mais justa.
De qualquer forma se observa, na América Latina, a efetivação da democracia
popular. Esse alvissareiro fato representa a recuperação da soberania dos povos
latinos, que tiveram suas liberdades democráticas usurpadas por séculos,
inclusive com a intromissão indevida de sucessivos governos estadunidenses, com
a cumplicidade das oligarquias latinas, que nunca, em hipótese alguma,
importaram-se com o desenvolvimento social dos povos de quem, querendo ou não,
são integrantes. A democracia representativa, ao contrário da popular, usurpa a
autonomia e a liberdade de decisão dos povos em que nela estão inseridos em um
contexto de representatividade que, na verdade, defende os interesses
econômicos de uma minoria privilegiada, que quer viver eternamente como paxás
ou nababos.
Barack Obama, como democrata, herdeiro de uma multilaridade que tem como base
sua origem multirracial, e ator principal da política internacional, vai ter,
de uma forma ou de outra, que dialogar com o oriente e com o ocidente e
negociar, politicamente, os interesses de cada país, principalmente aqueles que
são considerados inimigos do Tio Sam, casos de Iran, Iraque, Coréia do Norte,
Síria e Afeganistão, bem como os que continuam ainda a ser potências militares,
a exemplo da Rússia, além das potências emergentes, como a Índia, a China e o
Brasil, País da América do Sul, oitava economia do mundo, cujo Produto Interno
Bruto (PIB) de 2007 foi de R$ 1,3 trilhão, valor altíssimo e que coloca o
Brasil entre os países mais poderosos do mundo, apesar de a imprensa burguesa,
colonizada, provinciana e mesquinha fingir que nada está a acontecer para
melhor, nos aspectos econômico e social, no decorrer desses seis anos de
Governo Lula.
Os países, seus governos e suas sociedades não querem voltar à Idade Média,
como ocorreu quando os fundamentalistas cristãos e do mercado chegaram ao
poder, por intermédio da ascensão política do presidente beligerante George
Walker Bush, que se autodenominou o “presidente da guerra”. O que se observa,
no momento, é que o mundo quer uma nova realidade, que, ao meu entender, tem de
se basear na cooperação entre os povos e na luta por um planeta mais seguro e
que combata epidemias como a aids, epidemias como a fome e que isole
governantes oportunistas e irresponsáveis que têm como princípios
governamentais ou administrativos atender os interesses da indústria bélica e
fazer desse mundo um lugar para poucos privilegiados.
Quando foi implementado no mundo, em 1989, o sistema neoliberal, inclusive, se
necessário, com o uso da força, a imprensa burguesa, que não tem pátria e nem
cultura e muito menos lealdade com seus povos, festejou, irresponsavelmente, o
que foi estabelecido como nova ordem mundial. O neoliberalismo era a solução e
o pai dele no Brasil um político, que veio da esquerda, mas que negociou com a
direita sua candidatura a presidente da República. Fernando Henrique Cardoso
foi presidente da República por oito anos e, nesse intervalo de tempo, foi ao
Fundo Monetário Nacional (FMI) por três vezes. Vendeu estatais e não investiu
no povo brasileiro, porque homens como FHC administram números e não pessoas.
Esse fato é essencial para haver compreensão do que é humano e social e do que
não o é.
Políticos comandam técnicos. Não podem os técnicos comandarem os políticos. Por
quê? Porque políticos tratam de gente, cuidam de gente e administram o comando
do que vai ser feito com o dinheiro público, que é de todos e não de poucos. O
neoliberalismo de Margareth Tatcher, levado a cabo, de forma fundamentalista,
por técnicos idiotizados e colonizados por Wall Street, que há pouco tempo
derreteu, não atendeu às demandas humanas. E o homem é a essência da
existência. Ele é fundamental. Sem as pessoas, não há governos. Não há, inclusive,
exploração financeira. Sem as pessoas, não há economia.
Um dos motivos para o fracasso do neoliberalismo é que esse sistema não enxerga
a pessoa humana como referência a ser preservada, cuidada e respeitada. Afinal,
a vida é passageira. O político neoliberal é um equivocado, direito este que
ele não tem. Os técnicos, como se diz na gíria, podem até viajar na maionese,
mas o político tem de ser cônscio de suas responsabilidades e arbitrar os
projetos e programas que beneficiam as populações, mesmo se tal técnico pensar
diferente, o que, na verdade, não importa, quando o político é leal aos
cidadãos, até porque quem manda é ele, pois, do contrário, de um jeito ou
outro, um dia ele também fracassará como político e terá de encerrar sua
carreira, como sempre acontece, mesmo se demorar.
Com o derretimento de Wall Street, com forte repercussão na Europa, Barack
Obama terá de dialogar e negociar uma nova ordem mundial com atores antigos e
novos. Certamente, creio eu, que governos que se dizem democráticos não querem
a continuação da Idade Média de Bush e seus falcões. Agora, resta-nos esperar e
ver como o presidente Obama irá proceder politicamente em relação à comunidade
internacional.
O unilateralismo de Bush não tem mais espaço. Os estadunidenses não estão
sozinhos no mundo e o mundo não é somente deles. É de todos, como provam a
Rússia, a China, a Índia, os europeus ricos e nada confiáveis, o Japão e o
Brasil, que enfim luta por seus direitos na ONU e em outros fóruns importantes
e exerce uma diplomacia independente, não-alinhada e que busca, sobretudo, ser
protagonista e não mais coadjuvante, apesar do não reconhecimento da direita e
da burrice, do “jequismo” e da mesquinhez, incrustados nos corações e nas
mentes daqueles que defendem os interesses da imprensa burguesa, a imprensa
empresarial, que se transformou há muito tempo, para a infelicidade do Brasil,
em partido político conservador — o Partido da Imprensa. É isso ai.
Um comentário:
Obama também é o cara, e ficou comprovado quando a imprensa americana e também a tupiniquim ficaram contra ele na sua reeleição. Artigo excelente e poucos podem escrever com conhecimento e precisão.
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