quinta-feira, 15 de março de 2018

Marielle: Presente! — Vida e olhar doce em forma de combate


Por Davis Sena Filho — Palavra Livre


"A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte; a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte.  A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade; a gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade. Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?" (Comida — Titãs)

Os assassinos de Marielle Franco mandaram um recado à sociedade: Cale-se! Se não se calar, eu acabo contigo!

Uma morte que, literalmente, revela, de forma escancarada, o Brasil e o Rio de Janeiro pós-golpe, que crava estaca no peito da intervenção eleitoral militar, apoiada diuturnamente pelos Marinho do Grupo Globo.

O Brasil do golpe de 2016 e de *mi-shell temer {PSDB/Globo/Congresso/Judiciário} abriu a caixa de Pandora e dela saíram criaturas infernais, que ocuparam o poder, as ruas, as redes sociais e agora estão a subordinar o País a estrangeiros, ao tempo que submete o povo brasileiro à baixa estima e à desesperança.

O golpe de direita de 2016 não se dissocia da morte de Marielle Franco, porque são criaturas egocêntricas e nascidas do mesmo útero, que gera racismo, egoísmo, sectarismo e violência.

Marielle Franco não é vítima! Sempre soube se defender e se dedicar às ações políticas em busca de igualdade e oportunidades aos grupos sociais em situação de fragilidade. Se enganam seus algozes e verdugos, os promotores de infausta e infame covardia. Marielle é tudo o que eles não são: corajosa e inteligente; politizada e bonita; solidária e instruída; e, sobretudo, humana.

A violência endêmica e a falta de pão nas mesas de milhões de brasileiros pobres e desempregados não serão resolvidas por militares armados, muitos deles oficiais politicamente alienados e divorciados das razões e necessidades de grande parte dos moradores das comunidades cariocas.

Cercar as senzalas contemporâneas com as forças armadas é como enxugar gelo em pleno apartheid, porque a intervenção militar é essencialmente eleitoral, além de ser apenas mais uma de tantas que já estiveram presentes no Rio de Janeiro, sendo que jamais resolveram nada, porque o que resolve é pão na mesa, emprego, educação pública de qualidade, igualdade de oportunidades e implantação de infraestrutura em todas favelas e periferias.

O Estado presente, a servir os cidadãos. E não somente o Estado militar-policial, a reprimir as periferias e favelas para que a classe média e os ricos possam levar suas vidas "sem problemas", como se nada tivesse a acontecer, enquanto o governo irresponsável e perverso governa para poucos, a cometer incontáveis maldades e diatribes, a fim de atender apenas 30% da população, além de entregar o patrimônio público e extinguir quase todos os programas de inclusão social.

Fatores esses que acarretaram, sobremaneira, o recrudescimento da pobreza e, com efeito, da violência. Somente um cretino fundamental e idiota por vocação não enxerga ou finge que não está a ver a origem de tanta violência e corrupção no País, apesar que os criminosos sempre têm de ser combatidos, independente de origem de classe e cor de pele.

O Brasil é realmente e verdadeiramente o País da impunidade. Corruptos, golpistas e assassinos o tomaram de assalto, porque é dessa forma que se ganha mais dinheiro. O que resolve, cara pálida, é dignidade e respeito!

Por sua vez, ontem, dia 14 de março de 2018, o País do golpe da direita política, empresarial e midiática, o País mais desigual do mundo ocidental, com dezenas e dezenas de milhões de favelados em todo o território nacional, o País que possui Judiciário e MPF que se tornaram algozes de sua democracia e Constituição, bem como condenam à prisão pessoas sem comprovar seus crimes, tornou-se testemunha de um crime de assassinato dos mais bárbaros e brutais de todos tempos, que ficará na memória do povo carioca e na história da política brasileira e do Rio de Janeiro.

Não porque a morte da vereadora Marielle Franco, do Psol, seja mais importante do que as mortes de milhares de brasileiros em todo o País, que são assassinados por meio de tenebrosas e infames covardias, mas, sobretudo, porque a vereadora e militante de esquerda representava e representa as minorias políticas e sociais, que são maiorias em termos populacionais, mas que são também segmentos e setores da sociedade que não têm voz ativa e força reivindicatória no Legislativo, no Executivo e no Judiciário.

Eis a questão principal e primordial, que remete ao passado e se reafirma no presente as injustiças sociais, os preconceitos bárbaros e a negação sistemática da humanidade de grupos sociais que lutam para ter reconhecidos seus direitos à plena cidadania por parte de setores hegemônicos, a começar pelas polícias, as forças armadas, o Judiciário, o MPF, que, indubitavelmente, são e sempre foram os capitães do mato, os feitores da grande burguesia — a proprietária inconteste da casa grande de índole e alma escravocrata, bem como aliada dos capitalistas estrangeiros.

Marielle era uma militante política experiente e forjada na luta diária das ruas e dos lares abandonados pelo Estado, que é, irremediavelmente, patrimonialista e, com efeito, só serve aos interesses dos senhores e das senhoras dos centenários "engenhos", que tratam as minorias sociais e políticas como apenas mão de obra barata, com identidades ocultas pela opressão e repressão, assim como seus sonhos e desejos são sabotados pela pobreza e ignorância seculares, o que permite ao sistema de capitais e às quadrilhas e máfias calarem a boca da população brasileira, além de matarem, a ferro e fogo, lideranças humanistas e importantes, como a cidadã e socialista Marielle Franco.

Poderia escrever artigo sobre sua biografia, mas muitas pessoas já o fizeram. Por isto, atenho-me à sua representatividade social e política das mais raras e completas, porque Marielle Franco, além de ser uma vereadora de esquerda e militante que, corajosamente, lutava na linha de frente dos combates da vida, ela era, sobretudo, uma mulher que "vem de longe" desde os tempos da escravidão.

Marielle foi morta por causa de sua paixão. A paixão dos justos e dos combatentes dos direitos humanos e das igualdades entre as pessoas. Pois é, poder acreditar, existe ainda gente imprescindível para humanizar a humanidade, como forma de se aproximar de Deus. Ser Sua interface.

A vereadora, que não estará fisicamente mais presente nas ruas do Rio de Janeiro, mas espiritualmente entre aqueles que admiravam-na. Ela foi covardemente morta porque sua representatividade era por si só a própria sociedade oprimida em toda sua essência e amplidão, pois ativista em quase todos os setores e segmentos sociais.

Pois, observemos. Marielle era de esquerda, socialista e militante das causas sociais. Não sofismava e agia com desenvoltura no plenário, nas comissões e junto à sociedade, principalmente no que tange aos interesses das comunidades, a exemplo das favelas da Maré e de Acari, dentre outras.

Além disso, na Comissão da Intervenção da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a vereadora Marielle exigia que os militares do Exército fizessem relatórios quando nas comunidades, uma forma, segundo ela, para evitar violência e arbitrariedades, que sempre ocorreram em intervenções anteriores contra pessoas inocentes e trabalhadoras.

Negra, mulher, nascida em favela. Socióloga, feminista e ativista desde muito jovem. A vereadora assassinada covardemente era lésbica, casada e mãe de Luyara, filha de 19 anos, além de ser motivadora de movimentos sociais e participar de inúmeros eventos políticos, artísticos e de promoção da igualdade.

Seu pensamento político e ideologia, além da coragem, a levaram a ser uma pessoa que estava inserida em quase todas minorias, pois mulher, negra, lésbica, esquerdista e nascida em uma favela.

Apesar dessas quase intransponíveis realidades, Marielle Franco ascendeu politicamente e se tornou uma pessoa muito importante para a sociedade carioca e brasileira, verdade esta comprovada pela comoção que sua morte causou e pela repercussão nacional e internacional sobre as condições que ocorreram o atentado infame contra sua doce pessoa ao tempo que corajosa e determinada.

Denunciou as mortes, agressões, covardias e arbitrariedades de policiais militares, principalmente em Acari, e pagou com a vida. Contudo e apesar de tudo, a vida segue e as pessoas que pensam como a Marielle Franco não têm outra opção do que continuar a trilhar os caminhos que levem às igualdades e aos direitos para todos os brasileiros, de forma que o Brasil se torne uma Nação igualitária, justa, democrática e civilizada.

Marielle Franco: Presente!


É isso aí.

2 comentários:

M. Exenberger disse...

O mal venceu e o bem está de luto!

Marcos Lúcio disse...

Irretocáveis e contundentes suas lúcidas palavras. Bravo!

PARA A IMPERDOÁVEL DIREITALHA corrupta, violenta, golpista, exploradora, delinquente e de baixo capital cultural, um ser humano especial e denunciador...da magnitude da Marielle é demais: "Negra, mulher, nascida em favela. Socióloga, feminista e ativista desde muito jovem. A vereadora assassinada covardemente era lésbica, casada e mãe de Luyara, filha de 19 anos, além de ser motivadora de movimentos sociais e participar de inúmeros eventos políticos, artísticos e de promoção da igualdade". Mais uma absurdidade para manchar nossa história ou para tornar vermelha de sangue a nossa bandeira e para envergonhar-me de ser brasileiro .Obrigado, Marielle...você me representou e me representa...continua PRESENTE.