Brasil de Fato
ENTREVISTA LULA — Palavra Livre
Ex-presidente
fala com exclusividade ao BdF e aponta que “é preciso dar esperança ao povo e que
outro Brasil é possível”.
Da Redação
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato enquanto
percorre nove estados nordestinos de ônibus, o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva comenta os motivos do golpe que tirou Dilma Rousseff da Presidência e
quem está por trás dessa conspiração. Lula comenta ainda a necessidade de o
povo se manter em luta contra os retrocessos e por democracia, e seguir
acreditando na política. Sobre a posição do governo Temer sobre a crise
venezuelana, dispara: “É ridículo um governo golpista, ilegítimo, inimigo do
seu próprio povo, querendo dar lições de democracia à Venezuela”. Confira
abaixo.
Na sua opinião, qual foi o motivo do golpe contra
Dilma Rousseff?
Na verdade, as forças conservadoras nunca aceitaram
o resultado das eleições de 2014. A direita se recusou a respeitar a escolha
democrática da população. Um dia depois da eleição, já começou a sabotagem ao
governo Dilma e a conspiração para derrubá-lo. Foi pauta-bomba em cima de
pauta-bomba na Câmara e no Senado para inviabilizar a economia, para assustar
investidores e consumidores, enquanto os projetos do governo, tão necessários
ao país, não passavam ou eram completamente desfigurados. O que está cada vez
mais claro, hoje, inclusive para muita gente que foi enganada pelas mentiras da
imprensa, é que não foi um golpe só contra Dilma ou o PT. Foi um golpe contra a
educação e a saúde públicas, contra os direitos dos trabalhadores e
aposentados, para privatizar as empresas públicas e o pré-sal, para
desnacionalizar a Amazônia. Um golpe contra o país.
Como o senhor avalia o papel da mídia e,
especialmente, da Globo no golpe?
Os grandes monopólios de comunicação foram
decisivos para o golpe. A Rede Globo, em particular, foi um dos seus principais
articuladores e a sua grande propagandista. O golpe não teria sido possível sem
o ataque sistemático e a sórdida campanha de desmoralização que a Globo fez ao
governo Dilma e ao PT. Para facilitar o golpe, ela ajudou a abafar as acusações
contra os líderes golpistas, a blindagem a Aécio Neves é um exemplo flagrante
disso, que só viriam a aparecer depois que a presidenta foi derrubada. A Globo
não hesitou nem mesmo em se aliar a Eduardo Cunha para sabotar o governo e o
protegeu de modo escandaloso até que ele terminasse o seu serviço sujo. Ela
vendeu ao país a falsa ideia de que os problemas nacionais foram criados pelo
PT, e que bastaria afastar o PT do governo – mesmo ferindo a lei e a democracia
– para que o Brasil virasse uma maravilha. Hoje, com a mesma cara de pau, ela
tenta convencer os trabalhadores e o povo pobre de que as pessoas vão viver
melhor sem direitos trabalhistas e sem aposentadoria.
O juiz Sérgio Moro condenou o Sr. na ação sobre o
apartamento do Guarujá. O senhor também está sendo alvo de outros processos.
Por que essa perseguição da Justiça?
O juiz Moro, na sentença que me condenou, diz que o
tal apartamento não é meu, mas que isso não importa. Responsáveis pela Lava
Jato já disseram que não há provas contra mim, mas que eles têm a convicção
pessoal de que eu sou culpado. Todo mundo sabe que um principio básico do
direito, que é sagrado em todas as verdadeiras democracias, é que o ônus da prova
cabe ao acusador, não ao acusado. Para outros, esse principio vale. Para mim,
não. Minha inocência está mais do que provada nos autos. Minha inocência está
mais do que provada nos autos, mas isso simplesmente não é levado em
consideração. Tenho 40 anos de vida pública, de dedicação aos trabalhadores,
aos pobres, ao país. Será este o meu crime? Ter tirado o Brasil do mapa da
fome? Não posso me conformar com tanta arbitrariedade. Qual a razão dessa
partidarização da justiça? Chego a pensar que os que deram o golpe não podem
admitir que o Lula concorra novamente à Presidência…
Caso seja eleito, quais são as medidas que o senhor
tomará para melhorar a vida do povo e os rumos do país?
É cedo para falar como candidato, muito menos como
eleito. Antes, precisamos impedir que os golpistas destruam os direitos sociais
arduamente conquistados pelo povo brasileiro na última década. E impedir que
eles privatizem a preço vil as empresas públicas. E também é preciso garantir
que as próximas eleições sejam de fato livres e democráticas. Um novo governo,
legítimo, que tenha uma visão progressista do país, pode perfeitamente tirar o
Brasil do atoleiro em que ele esta hoje. Nós já governamos o país e provamos na
prática que o Brasil pode ser uma nação soberana, com verdadeiro crescimento
econômico, geração de empregos, distribuição de renda, inclusão social e
ampliação das oportunidades educacionais em todos os níveis. Para isso, é
preciso acreditar que as classes populares não são um problema, e sim uma
solução. Quando os pobres da cidade e do campo puderem voltar a comprar é que o
comércio vai vender e a indústria produzir e, com isso, o investimento vai
retornar. Será muito importante também elegermos um Congresso melhor que o
atual, com mais representantes dos trabalhadores, dos camponeses, das mulheres
e dos jovens.
O que o senhor recomenda em termos de organização e
foco à Frente Brasil Popular para avançarmos na luta contra os retrocessos e
por democracia?
A Frente é uma coisa extraordinária, porque reúne
diferentes setores da sociedade para pensar o Brasil e lutar pela sua
transformação. Ela tem sido fundamental na resistência aos retrocessos
políticos e sociais. O foco da Frente está correto, combinando formulação e
mobilização permanente. Penso que é muito importante também a gente explicar
para a população o que estamos defendendo. É preciso dar esperança ao povo de
que outro Brasil é possível e que, com um governo popular, dias melhores virão.
Por tudo isso que o Brasil tem vivido, muita gente
não acredita mais na política. O que devemos fazer diante dessa desesperança?
A gente não tem o direito de desistir. A minha mãe
me ensinou isso. A gente tem sempre que lutar. Tenho 71 anos e não quero
desistir. Não desisti de sobreviver ao nascer em uma região onde muitas
crianças morrem antes de completar cinco anos. Não desisti de organizar os
trabalhadores durante a ditadura. Construí com meus companheiros o maior
partido político da América Latina e fui presidente do Brasil por dois
mandatos. Se eu consegui tudo isso sem diploma universitário, sem pai rico, por
que alguém jovem deve desistir? Se você acha que a política está ruim, entre
na política e tente ser você mesmo o militante ou dirigente político que você
sonha para o Brasil.
Hoje, quem são os principais adversários para
termos um país com justiça social, solidário e com oportunidade para todos?
Eu acho que hoje tem muita gente ressentida no
Brasil, muita gente que está de mau humor, achando que o egoísmo vai resolver
alguma coisa. Tem muito empresário que quer tirar direitos dos trabalhadores e
aposentados sem perceber que se o trabalhador e o aposentado não tiverem
dinheiro, não vão consumir o que ele produz. A grande força da nossa economia é
o mercado interno. Então ele pode achar que vai se dar bem sendo inimigo dos
trabalhadores e no final as vendas dele vão cair. Tem gente que se ressente da
melhoria de vida dos mais pobres e quer um país para poucos, só para um terço
da população. Tem gente que defende quase a volta da escravidão. Essas pessoas
precisam entender que isso não é bom nem para elas, porque um país para poucos
é um país fraco, inseguro, instável. Um país assim não atrai nem investidor
estrangeiro, atrai só parasita em busca de riqueza rápida, que vem extrair
recursos naturais ou comprar empresas baratas. Uma sociedade solidária não é
apenas uma questão de justiça – ainda que isso seja o mais importante –, mas
também de necessidade. Quando os pobres e os trabalhadores melhoram de vida,
toda a sociedade melhora.
Muitas vezes os políticos ficam decidindo a vida
dos brasileiros e do país fechados em escritórios em Brasília. O senhor já fez
muitas viagens pelo interior do Brasil, em caravanas como esta agora no
Nordeste. O que o Sr. aprendeu sobre o nosso povo nessas experiências?
Aprendi que o povo brasileiro é de uma força e de
uma grande generosidade, e que não se pode governar o país de Brasília, da
Avenida Paulista ou da zona sul do Rio de Janeiro. Para alguém que vive nessas
regiões, um programa como o Luz Para Todos pode não significar nada. Mas ele
levou energia, trouxe para o século XXI milhões de brasileiros. Sem luz, um
jovem não pode estudar. Sem se alimentar, com uma boa merenda na escola, o
jovem não pode estudar. Criamos o Programa de Aquisição de Alimentos, que apoia
o agricultor local e reforça a merenda com comida saudável, hoje isso está
sendo destruído. A criança tem que comer, mas também tem que ter roupa para ir à
escola. O Bolsa Família exige para o recebimento do benefício que a criança
frequente a sala de aula. Sem transporte, um jovem da zona rural não pode
estudar. Criamos o programa Caminhos da Escola, que levou ônibus escolares pelo
interior do Brasil. Sem água, como se pode viver, ainda mais estudar?
Instalamos milhões de cisternas no sertão. E se não tem faculdade próxima, como
estudar? Ampliamos as universidades, os institutos federais de ensino, as
escolas técnicas, levando elas para o interior. Foram centenas de novas
extensões universitárias em todos os estados do país. A Bahia tinha só uma
universidade federal, hoje tem quatro. Eu conheço pessoalmente o tamanho deste
país, que ele não é pequeno, e quem o governa não pode ter a mente nem a alma
pequena. Tem que ouvir o povo, colocar o pé na estrada, conversar, procurar
soluções, dar força para a sociedade civil. E tem que abrir o palácio ao povo,
fazer a sociedade civil participar da construção das soluções para o país.
Como o senhor avalia as ameaças do governo dos EUA
diante da situação da Venezuela? Como o Brasil deveria ter atuado no processo
de paz na Venezuela?
É inadmissível que Donald Trump faça ameaças
militares à Venezuela. Aliás, a qualquer país, em qualquer região do planeta. A
Venezuela tem direito à sua autodeterminação. É o povo venezuelano que deve
decidir livremente o destino do país. Se há uma crise institucional, que se
busque superá-la por meio do diálogo e da negociação política, mas respeitando
sempre os governantes que foram eleitos pelo voto popular, dentro das regras
democráticas, como era o caso do presidente Hugo Chávez e é o caso do
presidente Nicolás Maduro. Em 2003, quando a Venezuela vivia uma crise
semelhante, eu mesmo propus a formação de um grupo de países amigos da
Venezuela, bastante plural, que acabou contribuindo para o restabelecimento da
normalidade e da paz. Hoje, infelizmente, o Brasil não tem nenhuma autoridade
moral para ajudar. É ridículo um governo golpista, ilegítimo, inimigo do seu
próprio povo, querendo dar lições de democracia à Venezuela. Quando tivermos
novamente um governo democrático e popular, o Brasil voltará a colaborar, sem
interferências indevidas na soberania dos vizinhos, para consolidar a paz e a
estabilidade democrática na América do Sul.
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