Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
Tem um pensamento que eu gosto muito.
Mais do que gostar, eu acredito neste pensamento, porque, para mim, ele
significa a verdade. “Raça não existe; o que existe é a espécie humana”.
Quando o homem, ou melhor, a humanidade se organizou em sociedades.
Quando ela passou a dominar a agricultura e, conseqüentemente, construir
cidades para alojar milhares ou milhões de pessoas, a luta pelo
controle político e pela hegemonia econômica recrudesceu. Desta luta
deriva todo tipo de preconceito, inclusive o pior deles: o racismo.
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O preconceito do racismo é a forma mais
infame e cruel de intolerância moral que o ser humano pôde expressar,
porque se trata da negação da vida, da negação de Deus. O racista nega a
vida e reafirma a indiferença, a desigualdade social e a violência. A
pobreza material de grande parte dos povos da África negra e do povo
brasileiro é intrínseca ao racismo. Eu quero afirmar, sem dúvida alguma,
que a miséria material do nosso povo tem como raiz o racismo. Este
sentimento, além de ser comportamental e cultural, o é também de fundo
econômico, o que o torna intolerável para as pessoas civilizadas e de
filosofia humanista e democrática.
Quando os ancestrais do povo brasileiro foram escravizados em um tempo
de cinco séculos pelas potências colonialistas, o trabalho humano
escravo foi visto como solução para que os colonizadores europeus
pudessem ocupar os territórios por eles conquistados, além de
desenvolver suas economias e, por conseguinte, disputar o mercado, em
seus diferentes setores, pois a corrida pela hegemonia econômica e
militar se encontrava em um processo de disputa entre a Inglaterra, a
França, a Espanha, a Holanda e Portugal, dentre outros países, que
buscavam riquezas, com o objetivo de colonizar terras e dominar os
oceanos.
Com a explosão demográfica no continente europeu e o fim da Idade Média,
considerada a era mais sombria das sociedades ocidentais, iniciou-se o
ciclo das grandes navegações. Historiadores afirmam que foi a opção e a
realidade encontrada pelos governos das potências européias, para que a
Europa não sucumbisse economicamente e seus povos não ficassem sem
espaço para desenvolver suas atividades econômicas, principalmente a
agricultura, razão pela qual foi efetivado o sistema de escravidão, com a
cumplicidade entre os europeus e suas diversas nacionalidades, com
apoio, inclusive, da Igreja da época, bem como de agentes africanos que
participavam do tráfico negreiro.
A escravidão de africanos começou no
Brasil ainda em meados do século XVI. Duarte Coelho, donatário da
Capitania Hereditária de Pernambuco, solicitou, em 1539, ao rei de
Portugal a isenção de impostos de “peças” africanas. As “peças”, na
verdade, eram os escravos. Grandes extensões de terras e agricultura
baseada na monocultura de cana-de-açúcar, que propiciou ao Brasil
colonial o Ciclo do Açúcar, foram as primeiras razões dos colonizadores
para que o comércio de homens, mulheres e crianças negros se perpetuasse
até o ano de 1888, quando oficialmente foi abolida a escravidão no
Brasil.
O tráfico de escravos foi um comércio tão
lucrativo que somente acabou em âmbito mundial em 1865. A partir deste
ano, o Brasil se tornou o único no mundo ocidental a possuir escravidão
institucionalizada. Essa realidade impedia a chegada de imigrantes que
preferiam outros países das Américas. Enquanto o mundo se transformava
por meio da revolução industrial, as nossas elites, principalmente os
cafeicultores paulistas, insistiam, teimavam com o sistema de
escravidão, o que prejudicou, sobremaneira o Brasil nos fóruns
internacionais, bem como a sua economia, que, baseada na mão-de-obra
escrava, não conseguia competir, satisfatoriamente, com os países,
inclusive muitos da América do Sul, que pagavam salários aos
trabalhadores, principalmente aos imigrantes europeus que tinham
conhecimento técnico para exercer suas funções nas fábricas e no campo.
O Brasil foi o último País a dar fim
ao comércio de escravos, além de Cuba, que, apesar de ter escravidão em
seu território, a ilha caribenha era usada mesmo como entreposto de
escravos, que eram distribuídos pelo Caribe, América do Norte e América
Central. Países escravagistas como a Inglaterra, a França, a Espanha e a
Holanda tinham grandes interesses econômicos nessas regiões. A presença
da Espanha na América do Sul também era muito forte, bem como Portugal,
pequeno país ibérico, mas que se tornou potência marítima, que, através
do tempo, transformou o Brasil colonizado por ele em um País
continental.
A escravidão dos negros africanos era uma escravidão essencialmente mercantilista. Sempre houve escravidão no mundo. A humanidade sempre pecou no que concerne a explorar à própria humanidade. Os países muito antigos, as sociedades antigas, os do tempo de Jesus Cristo e os de tempos anteriores ao do Filho de Deus escravizavam, mas, geralmente, eram troféus, os quinhões dos vencedores de guerras. Eram militares e civis que perderam guerras e pagaram com o preço alto da escravidão.
Por seu turno, a escravidão dos negros
não tinha razões outras que não apenas a comercialização de seres
humanos, por cerca de 450 anos, no mundo ocidental, que já tinha passado
pelo Renascimento e se preparava para entrar no mundo moderno, que se
iniciou, primeiramente, com as grandes navegações. O sentimento,
realmente, é de vergonha. Não minha vergonha, não sua vergonha, não a
vergonha dos milhões de negros brasileiros, mas daqueles que
enriqueceram e conquistaram terras com a morte e a escravidão de milhões
e milhões de homens e mulheres, que morriam nos navios negreiros, em
cerca de 40%, vítimas de maus tratos, de todo tipo de doença, além de
serem jogados aos mares, como punição ou por causa da fiscalização do
exército e da marinha ingleses, cujo governo, no ano de 1806 para 1807,
decidiu dar fim ao tráfico de escravos. A Inglaterra era a potência
mundial daquela época.
Portugal, que edificou uma nação
importante em termos mundiais na América do Sul, foi o maior mercador de
escravos de todos os tempos, no que tange aos interesses
especificamente comerciais e econômicos. O Brasil, além de ser o último
País a libertar os escravos, foi também o destino de três milhões e 600
mil escravos, dos dez milhões que chegaram vivos e foram trazidos para
as Américas. Como se percebe, o Brasil, nos séculos da escravatura, foi
responsável por 36% de todo comércio escravagista em âmbito mundial. São
realmente números assombrosos.
A escravidão dos negros foi e ainda o é a
maior diáspora da história da humanidade. Se a comunidade negra
internacional fosse rica e controlasse as mídias, a imprensa comercial e
privada (privada nos dois sentidos, tá?), os bancos e as terras
evidentemente que essa dolorosa história nunca deixaria de ser
comentada, nunca seria esquecida, bem como o genocídio dos índios de
todas as Américas nunca ficaria relegado a um segundo plano. Como se
observa, a divulgação política da escravidão e dos massacres e
genocídios dos negros e dos índios são também questões econômicas e
financeiras, além de morais e de justiça, que nunca foi feita, e
considero que nunca o será.
Os escravocratas nunca ganharam tanto
dinheiro. A comercialização de pessoas era mais lucrativa do que a
estratificação, a agricultura, a pecuária e a pesca. A indústria
praticamente não existia, porque começou a se desenvolver na segunda
metade do século 19, quando a Inglaterra começou — por questões
econômicas e não morais —, que isto fique registrado, a perseguir e a
afundar navios, boicotar economias e agredir militarmente os países que
insistiam em traficar seres humanos com finalidade comercial. Era o
início da industrialização, quando surgiu, de forma incipiente, a classe
operária, melhor qualificada, sem direitos trabalhistas, contudo,
assalariada, valores baixíssimos, trabalhadores explorados, porém,
reitero, assalariados.
Os negros africanos, cujos filhos e
descendentes são brasileiros, desembarcavam nos portos da Bahia, de
Pernambuco e do Rio de Janeiro. Depois da chegada, eles eram espalhados,
“distribuídos” por todo o País. Trabalhavam na mineração, na lavoura,
na pecuária, nas instituições governamentais, nas ruas e nas casas
residenciais. Eles estavam presentes no dia a dia da vida brasileira e
ajudaram, indubitavelmente, a construir o Brasil de hoje, País que tem
um PIB de R$ 3,675 trilhões, segundo o IBGE, e que atualmente tem
influência planetária. Sem sombra de dúvida, a plural e multirracial
sociedade brasileira deve muito aos homens e mulheres negros que
trabalharam, arduamente, sendo que milhares pagaram com a própria morte,
como vítimas que foram da terrível e inominável escravidão.
Os negros, os cidadãos negros foram
heróis da Guerra de Canudos e da Guerra do Paraguai e não receberam
retorno algum, a não ser o abandono do estado e da sociedade
brasileiros. Foram morar nos morros da Favela e da Providência, as
primeiras favelas deste País. As desigualdades sociais são gritantes. A
miséria e a pobreza, históricas, são a razão da prostituição, do tráfico
e da violência. São essências da degeneração familiar e,
conseqüentemente, da sociedade.
Os negros, observemos, pertencem às
camadas mais pobres da sociedade brasileira, as que estão em risco
constante de ser vítimas de todo tipo de miséria humana e de ignorância.
O ignaro é mais perigoso que o marginal, porque ele é parte de
milhares, quiçá milhões, e por isso se anulam as condições para que as
nossas cidades e o País se desenvolvam, de maneira equânime, justa e
democrática. Não há paz se não existir justiça social. Os governos, em
todas as esferas, têm de deixar de ser patrimonialistas. O estado tem de
ser devolvido ao povo e não continuar a servir à pequena parcela da
sociedade, que há séculos confunde e mistura os interesses do estado com
os interesses privados — particulares. É uma luta árdua, perene e
constante.
Os governos trabalhistas de Lula e
agora o de Dilma Rousseff têm lutado e conseguido mudar o quadro social e
econômico das classes sociais carentes e populares. É uma revolução da
grandeza da que o presidente Getúlio Vargas realizou em 1930 e depois em
1950, quando o Brasil deixou de ser rural e passou a ser urbano, por
meio da industrialização, da organização do serviço público de forma
centralizada, em âmbito federal, e da criação de meios de fiscalização
das receitas públicas, bem como dos serviços de arrecadação de tributos
do estado nacional, além da criação de estatais como a CSN, a Vale do
Rio Doce (os neoliberais só querem chamá-la de Vale) e a Petrobras.
Os programas de Lula incluíram 30
milhões de brasileiros na classe média (quase a população da Argentina) e
tiraram 20 milhões da pobreza. E grande parte dessa gente brasileira,
caro leitor, é formada por brasileiros de etnia negra. É uma revolução
ou não é? Só para ficar nisso, porque esse governo trabalhista fez muito
mais, como, por exemplo, fortalecer nosso mercado interno ao ponto de o
Brasil praticamente não sentir a crise econômica e financeira que
aconteceu no mundo em 2008, apesar de a imprensa comercial e privada
(privada nos dois sentidos, tá?) não reconhecer e por isso mentir e
manipular, porque a verdade é que ela se tornou porta-voz dos trustes
internacionais e nacionais, ponta-de-lança dos interesses da classe
social que habita o pico da pirâmide social, além de se transformar em
um partido de direita — o Partido da Imprensa. Se há alguma dúvida,
basta pesquisar para confirmar o que eu afirmo e o que eu escrevo nesta
tribuna chamada Palavra Livre.
O estado democrático de direito, conforme
reza a Constituição de 1988, é o agente que determina as políticas
públicas, no que é relativo à saúde, à educação, à moradia, à segurança e
à luta para favorecer a distribuição de renda e a geração de empregos.
Todas essas coisas boas são desejos dos brasileiros, principalmente os
negros e os índios que ainda não foram resgatados historicamente e
socialmente. O Brasil tem de continuar a ser dos brancos, dos amarelos,
dos vermelhos e dos negros. Contudo, sabemos que a grande parcela negra
da população tem de ser ouvida por todos os segmentos da sociedade, bem
como ser alvo de políticas públicas positivas que garantam a inclusão
dos negros (e também dos índios) no mercado de trabalho e nas escolas.
Até hoje, em pleno século 20, parte
significativa do povo brasileiro não tem acesso a benefícios sociais e
ao direito de ter uma vida de melhor qualidade. Os negros continuam a
ter os piores empregos, a morar nas periferias, nas favelas, nas
comunidades pobres. Seus empregos são os mais insalubres, os mais
perigosos e mal pagos. Continuam a ser vítimas do pior sentimento dentre
os piores sentimentos que é o racismo, porque, como cidadão negro, ele é
medido por sua cor, por seu cabelo, por suas características físicas e
não pela sua conduta, pela sua competência, pelo seu caráter, digo
melhor, bom caráter, pelo seu coração. Os indivíduos são pertencentes à
espécie humana. Raça é terminologia superada, que somente os
desinformados, os ignorantes, os preconceituosos e os racistas insistem
em assim se comportar. Comportar-se mal.
É um direito inalienável do homem e da
mulher, independentemente de sua origem e cor, ter suas cidadanias
ratificadas e reiteradas pelo estado e pela sociedade a qual pertencem.
Ser cidadão não se reduz a pagar impostos. Ser cidadão é também saber de
seus direitos e, dentre um elenco de direitos, é não ser humilhado ou
esquecido ou relegado por sua condição social e por sua cor de pele e
etnia. Os negros estão para sempre, eternamente, na história do Brasil e
do seu povo. Ele é parte dele. Ele é o povo, e o Brasil é de todos e
para todos os brasileiros.
2 comentários:
Concordo plenamente...e acrescento: se o negro, além da natural e bela cor, possuir uma natureza homoafetica, este preconceito será elevado à enésima potència. Simplesmente porque ele começará em casa ...e casos de pais que rejeitam ou discriminam seus próprios filhos por este imperativo biológico denominado homossexualidade, são inúmeros, até com expulsão de casa.
E não pára por aí. Este injusto (como qualquer)preconceito continua nas igrejas (que aceitam negros naturalmente, desde que não sejam gays declarados) e na sociedade, de modo geral.
Além disto , os negros podem manifestar afeto em público. Aquele outro segmento, se tiver a coragem...corre o risco concreto de agressão. Até mesmo um casal formado por pai e filho, justamente por serem "confundidos", foram agredidos e até uma orelha foi quase arrancada. Ainda vivemos na barbárie, sob (in)certos aspectos.
Abraço
Marcos Lúcio
Desculpe o erro de digitação em natureza homoafetiva.
Abraço
Marcos Lúcio
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